24 setembro 2016

Pórtico do antigo Convento de S. Francisco II

O pórtico compõe-se de tripla arcada de volta perfeita, secionada por pilares retangulares, sendo os arcos encimados por frontões triangulares em forma de cortina e rematados os laterais por pináculos e, o central, por uma cruz. Nos tímpanos e nas faces que separam os frontões, existem dez painéis de azulejos figurativos azuis e brancos do séc. XVIII saídos do ciclo lisboeta dos Grandes Mestres, sendo que seis deles representam membros ilustres da Ordem Franciscana e, os restantes, quatro emblemas alegóricos. Na face externa (sul) estão representados São Boaventura, São Francisco e São Luis e, na face interna (norte), São Pascoal do Baillon, São António e São Salvador d'Orta.

Em 2009 o conjunto de painéis de azulejos foi alvo de trabalhos de conservação e restauro da responsabilidade de Celso Mangucci e Assunção Zagalo.

Painel de azulejos do alçado exterior (sul) após restauro com a representação de S. Francisco

 Painel de azulejos do alçado exterior (sul) após restauro com a representação de S. Boaventura

Painel de azulejos do alçado exterior (sul) após restauro com a representação do sol

 Painel de azulejos do alçado interior (norte) após restauro com a representação de S. Salvador d'Horta

Painel de azulejos alçado interior (norte) com representação de atributos após restauro

painel de azulejos, alçado exterior (sul) com os atributos da Ordem, após restauro

Painel de azulejos no alçado interior (norte) após restauro com a representação de S. Pascoal de Baillon.

Painel de azulejos , alçado interior (norte) após restauro com a representação de S. António

 Painel de azulejos com a representação de S. Luís, alçado exterior (sul) após restauro


Foto dos anos 80 do sec. XX
Painel de azulejos do alçado interior (norte) com representação de atributos após restauro

10 setembro 2016

Início da Idade Moderna na vila de Alcochete





A historiografia da vila de Alcochete aponta as origens do povoado para o período muçulmano, sendo uma tese apoiada no indício sugerido pelo topónimo. Para seu próprio reforço argumenta que a Igreja Matriz assenta sobre as fundações de uma antiga mesquita, embora tal facto nunca tenha sido comprovado (Pereira et al., 1904: 170; Câncio, 1939: 89; Estevam, 1948: 72; Nunes, 1972: 275; Duarte, 1993: 25; Graça, 1998: 14). 

Em nosso entender, e enquanto não surgirem provas materiais que justifiquem o contrário, a vila de Alcochete terá surgido já sob o domínio cristão do território, visto nunca se terem encontrado vestígios arqueológicos anteriores ao século XV (Correia, 2003: 195; 2004; 2010: 185; Correia & Nunes, 2005). Alcochete dependia administrativamente de uma das sedes do concelho do Ribatejo. Este velho concelho, cujo território se estendia entre a ribeira de Coina a Poente e a ribeira das Enguias a Nascente, com dupla administração em Alhos Vedros e Santa Maria de Sabonha (atual São Francisco, Alcochete), é resultado de uma política de consolidação de um território pouco povoado, num momento após a reconquista cristã. A edificação da Igreja de Santa Maria de Sabonha, ordenada em 1252, serviria certamente uma população rural, bastante dispersa. 
Caso Alcochete constituísse já neste momento um aglomerado urbano relevante, certamente reuniria melhores condições para assumir o papel de sede concelhia, em detrimento de Sabonha. Segundo José Manuel Vargas, depois de analisada a toponímia da região documentada nos sé- culos XIII e XIV, são muito raros os topónimos que podem indiciar um povoamento mais antigo, com origens árabes ou moçárabes. A maioria deles são já de origem cristã, surgindo geralmente a menção “onde chamam…”, supondo um povoamento recente (Vargas, 2005A: 17). 

Sendo “Alcochete” indiscutivelmente um topónimo de origem árabe, cuja etimologia al-kusat significa “os fornos”, a sua existência estará provavelmente relacionada com a tradição oleira que se desenvolveu na região durante o período Romano. Esta importante actividade económica desenvolveu- -se ao longo de mais de 400 anos (entre os séculos I e V d. C.), e está testemunhada em cerca de vinte sítios arqueológicos, situados sobretudo ao longo da margem direita da ribeira das Enguias. Porto dos Cacos, o principal destes centros de produção e o único intervencionado arqueologicamente, revelou também uma ténue ocupação do espaço já após o abandono dos fornos, estendendo-se até ao século VIII. Talvez ainda aqui existisse uma pequena comunidade indígena, já sob dependência do novo poder muçulmano sedeado em Palmela, justificando-se assim a perpetuação, em topónimo, do principal elemento caraterizador da região. Sendo assim, “os fornos”, que foram identificadores deste território pouco povoado até à primeira dinastia dos reinados cristãos, passaram, a partir deste período, a designar um espaço físico mais restrito, ou seja, a atual vila de Alcochete, sem dúvida um dos mais antigos aglomerados urbanos da região. O restante espaço rural começava a ser explorado e inevitavelmente identificado com nova toponímia (Correia, 2010: 185/6). Mesmo sob influência da administração de Sabonha, Alcochete foi adquirindo autonomia, fruto do desenvolvimento de que vinha gozando. Enquanto nos meios rurais se praticava uma economia essencialmente agrícola (assente sobretudo na viticultura), nos meios urbanos de Alcochete e Aldeia Galega (atual Montijo) já se assumiam outras formas de subsistência, desenvolvendo-se a salicultura e o transporte fluvial, destinado ao abastecimento da capital (Dias, 2004: 96). Este crescente desenvolvimento proporcionava autonomia, sob o apadrinhamento do Infante D. João, mestre da Ordem de Santiago, desde 1419. 
É a partir desta altura que a documentação passa a designar Alcochete com categoria de vila. A própria noção de concelho começa a ficar explicita já em documentação régia de 1413 (Vargas, 2005A: 46). O referido Infante “terá mandado construir uma residência em Alcochete que, mais tarde (cerca de 1450), o seu sobrinho, Infante D. Fernando, transformou no Paço, várias vezes referido na documentação, onde viria a nascer D. Manuel I, em 1469” (Vargas, 2005A: 47). Esta crescente autonomia viria a ser formalmente reconhecida em 1515, no reinado de D. Manuel I, com a outorgação conjunta de foral a Alcochete e Aldeia Galega.

A referência documental mais antiga a Alcochete data de 1308. Contudo, as evidências arquitetónicas e arqueológicas remontam apenas ao século XV. Ao analisarmos a planta do Núcleo Antigo da vila de Alcochete, deparamos com um tecido urbano de traçado radiocêntrico, com as ruas do Talho, do Paço, de O Século, Diário de Notícias, da Praça e António Maria Cardoso a confluírem para o Largo da República, antigo Largo da Praça. Este traçado, algo irregular, é delimitado do lado norte pela Rua Comendador Estêvão de Oliveira, antiga Rua Direita, a qual parte do Largo da Misericórdia até se unir com o acesso à vila proveniente de Nascente, junto à Igreja Matriz. Para além deste acesso há um outro, proveniente de Sul, da antiga Aldeia Galega, que passava junto da capela de São Sebastião, no Valbom, ainda fora do casco urbanizado. Entrava na vila, na confluência das actuais Rua José André dos Santos com a Rua João de Deus. Este seria o principal acesso a Alcochete. A capela de São Sebastião assumia uma posição de sentinela, tal como se verifica à porta de muitas outras povoações, crendo-se que o respectivo santo mártir protegeria a vila de eventuais pestes trazidas pelos forasteiros. A quem por aqui chegasse podia igualmente refrescar-se no chafariz, situado já dentro da vila. Constata-se que se trata de um traçado urbanístico fiel ao seu original, criado na Baixa Idade Média. 


No antigo Largo da Praça estaria o pelourinho, peça de arquitectura manuelina, oitavado em espiral, decorado com as insígnias da Ordem de Santiago. Será contemporâneo da outorga de foral (1515), tendo sido demolido na segunda metade do séc. XIX. Sobreviveu um segmento do seu fuste, hoje exposto no Núcleo Sede do Museu Municipal de Alcochete

 Retomando o (...) tombo das propriedades de 1498, o Paço do Concelho, também conhecido por Estalagem, compunha-se de três divisões: a casa onde se vendiam as mercadorias, a estrebaria e o palheiro. A levante confinava com o talho, virado para a atual rua com a mesma designação, a poente para a rua, ainda conhecida por Rua do Paço, e a sul ficaria o Alpendre do Concelho, este virado para a praça. A norte do talho ficava o Lagar de Fernão Meira4 (Beirante, 2004: 75; Estevam, 1956: 36/7). 
Este paço terá sido sede administrativa do concelho até inícios do século XX, momento em que os serviços de administração se transferem para o atual edifício, antigo Solar dos Pereiras. A edificação deste solar terá ocorrido em finais do século XVI (Nunes, 1972: 107). De entre o rol de residências pertencentes à Estalagem, destaca-se uma, curiosamente chamada “mesquita” , cuja localização não é esclarecedora. Talvez se tratasse eventualmente de um espaço onde uma pequena comunidade islâmica prestava culto.*

Contudo, há certezas de Alcochete ter albergado uma pequena comunidade judaica, residente junto da praça. Em reunião de 24 de Agosto de 1421, a vereação tomou conhecimento de que a população de Alcochete tinha pedido para que os judeus da vila não rezassem no meio da praça, visto que faziam-no tão alto, que “enojavam” a restante população . 
Havia três poços públicos dentro da vila: o Poço Salgado, de localização incerta, embora Beirante o situe junto da Rua Direita (atual Rua Comendador Estêvão de Oliveira), o Poço de São João, situado diante da igreja Matriz, no largo com o mesmo nome, (tendo sobrevivido até inícios do século XX e recuperado em 2009) e o Poço da Horta, o qual dispunha de nora para abastecer o já referido chafariz. Esse mesmo poço, junto do qual se situava também o curral do concelho, onde se guardava o gado fugido causador de estragos nas culturas, abastecia ainda a Horta do Concelho (Beirante, 2004: 75,76).

Fonte: Setúbal Arqueológica. texto de Miguel Correia
*o sublinhado no texto é de minha autoria. 

29 março 2016

Estevão António de Oliveira




ESTEVÃO ANTÓNIO DE OLIVEIRA, nasce a 6 de Outubro de 1788 no Samouco – Alcochete. Negociante de gado, cria amizades com os grandes lavradores do Ribatejo, dado seu pai - José António Luís Rosa Oliveira ser administrador da Casa Agrícola do Conde de Azarujinha e seu grande amigo -, tornando-se também proprietário – ou foreiro - de terras do património do Infantado, que incluíam entre muitas outras, as do senhorio de Pancas. Não se sabe o ano, mas pensa-se que teria sido em princípios dos anos 30 do século XIX, uma vez que para aqui vieram pastorear as reses que comprara a Manuel da Silveira Brito ( Marquês de Ponte de Lima). 

Começou a correr toiros com o ferro EO, vindo a vender a António José Pereira Palha uma vacada brava da sua ganadaria em 1850.
A 31 de Julho de 1855, cedeu toiros para a corrida realizada na Praça de Toiros do Campo de Sant’Anna, em benefício do Asilo da Mendicidade, o que veio a repetir-se no primeiro domingo de Junho de 1862, na mesma praça.

- ESTEVÃO ANTÓNIO DE OLIVEIRA JÚNIOR, nasceu a 30 de Agosto de 1824, em Alcochete. Filho do anterior - do qual herda a ganadaria -, afora a José Ferreira Prego - 2º. Barão de Samora Correia - terras do “Senhorio de Pancas”, formando quatro grandes foreiros, designados por: Camarate, Quinta de Pancas, Paúl da Vala e Bracieira. A partir de 1863 começou a adquirir os domínios directos dos foros e, dentro de poucos anos, toda o “Senhorio de Pancas” lhe pertencia em posse plena, que lhe permitirá utilizar o ferro real, o que não sucedia com seu pai, que utilizava o “EO”.
As terras do “Senhorio de Pancas” estendiam-se por uma área enorme, de cerca de 12.000 hectares, e formavam assim uma das maiores concentrações de terras, ficando célebres, e estão largamente historiadas, as diversões venatórias que a corte portuguesa realizou através dos séculos, nas coutadas de Pancas. Aqui mandou fazer as grandes marinhas de “Vasa Sacos”, cuja produção média anual, andava por 14.000 moios de sal. Possuía também vastas herdades no Lavre, todas formando o conjunto da sua importantíssima casa agrícola.
Além de homem público de marcada posição e de grande prestígio nacional na sua época, foi, acima de tudo, um dos maiores lavradores de todos os tempos do Ribatejo, não só pela vastidão das suas terras, mas também como criador de toiros, por ter adquirido o ferro e divisa ( branco e escarlate, mudando depois para branco e verde) da ganadaria de “Pancas” - que ostentava uma coroa real por cima do “P” -, com origem em reses das “Reais Manadas” , mais tarde “Casa do Infantado”, nome pelo qual ficou conhecida a ganadaria fundada por D. Miguel I em 1830, que pastava em terras do “Senhorio de Pancas”, sendo neste ano acrescida com 50 vacas e 2 sementais de pura casta “Vazqueñha, de pelagem “jabonero”, oferecidas por seu tio D. Fernando VII de Espanha - gado este adquirido ao testamenteiro de Vicente José Vázquez, por créditos da coroa espanhola. Se bem que esta vacada tenha sido instalada nas terras de Salvaterra de Magos, e separada da ganadaria de “Pancas”, o ferro “P” absorveu também esta vacada. Após as Guerras Liberais, com início em 1831 e fim em 1834 , e instaurado o regime liberal e após a assinatura da convenção de Évora Monte que obrigou o ”rei toureiro”- e toureiro porque foi valente cavaleiro, toureiro amador e forcado, além de ganadeiro e grande aficionado - a exilar-se, embarcando em Sines na tarde de 6 de Junho de 1834, os seus bens foram confiscados pelo vencedor, seu irmão D. Pedro IV, e a ganadaria de casta espanhola dividida no ano de 1834 por quem melhor o tinha servido: Marquês de Belas e Comendador Dâmaso Xavier dos Santos, os quais, a venderam em lotes mais ou menos volumosos aos lavradores da região de Samora e Alcochete. 
Dâmaso Xavier dos Santos, alienou a sua parte a diversos criadores, entre eles Manuel da Silveira Brito (Marquês de Ponte de Lima), tendo este por sua vez vendido a sua parte - mas já com sangue “vazqueñho” misturado com “toiros da terra” - aos ganadeiros: Conde de Sobral, Barão de Salvaterra de Magos, Marquês de Vagos, Máximo da Silva Falcão, João Veloso Horta e Estevão António de Oliveira (pai). O sangue “vazqueñho” fica, pois, disperso e mais ou menos cruzado com reses portuguesas.
Estevão António de Oliveira Júnior, apurando-a, correu” toiros Pancas” em Portugal e Espanha nos anos de 1859 a 1874, chegando mesmo a coexistir com a do pai, Estevão António de Oliveira. Entrou por diversas vezes em corridas-concurso na praça do Campo de Sant’Ana com as de Rafael José da Cunha e João de Sousa Falcão, tendo saído sempre vencedora. Eis algumas das corridas efectuadas em Portugal com toiros deste ganadeiro: 
- 15 de Abril e 29 de Abril e 4 de Setembro de 1859; 12 e 27 de Março e 12 e 26 de Agosto de 1860; 3, 6 e 10 de Abril e a 2 de Junho de 1862, todas na Praça Campo Snt’Ana. Quase todos os toiros saltaram a Barreiro, um deles, com um salto chegou à terceira fila de um sector, e outro saltou atrás do bandarilheiro José Cadete, que o colheu, deixando-o em mau estado. Os seus toiros foram sempre muitos apreciados em Espanha, chegando num espaço de 10 anos a serem lidados 50 por temporada, pelo que aqui damos uma pequena amostra: 
- 13 toiros a 19 de Agosto de 1866 em Toledo e a 26 de Janeiro, 26 de Março, 6 de Abril, 4 e 11 de Maio de 1862 na antiga praça de Madrid ( inaugurada a 30 de Maio de 1754). Em 1833, é substituída a parte de madeira por alvenaria e demolida em Agosto de 1874, surgindo a 4 de Setembro deste ano, a famosa praça de Madrid, conhecida pela «carretera de Aragón» com 13.200 espectadores, que dura até 1934. A 21 de Outubro de 1934, é inaugurada a actual “Monumental” Praça de Toiros de “Las Ventas”, cujo redondel tem 60 metros de diâmetro e a com capacidade actual de 22.500 lugares sentados.
O matador Salvador Sanchez y Povedano “Frascuelo”, gostava de tourear os toiros “Pancas” por serem muito bravos e de grande corpulência, duros e resistentes, chegando com grande poder até à morte suprema. Um toiro seu , de nome "Cortiço", corrido na “Monumental” de Madrid a 11 de Março de 1862, recebeu 20 "varas", mantendo nobreza e casta até à morte, coisa nunca vista até então. Numa outra e, novamente nesta praça, outro toiro feriu gravemente 3 matadores, tendo por isso alguns toureiros não mais lidar toiros “Estevão”. Para tal, chegou a celebrar-se uma escritura através da qual se impunha uma multa de 5 mil réis a quem lidasse toiros tão bravos, apesar da oposição de “Frascuelo” que não teve outro remédio se não cumprir o decidido. 
Juntamente com os de Rafael José da Cunha, os toiros “Estevão de Oliveira”, tornaram-se presença habitual na velha praça de Madrid, o que prova a sua qualidade. E tanto assim é que, António José Pereira Palha, pai de José Pereira Palha Blanco, quando começa a pensar criar a sua ganadaria em 1848, para conseguir bons reprodutores, a escolha incide sobre o criadores de reses descendentes dos famosos Vazqueños reais: Estevão António de Oliveira – pai de Estevão António de Oliveira Júnior -, João de Sousa Falcão e João Veloso Horta. É a Estevão António de Oliveira, e a estes lavradores, que António José Pereira Palha compra uma vacada brava, com reses da “terra” cruzadas com gado “vasqueñho”, vindo em 1871, seu filho José Pereira Palha Blanco a comprar a Estevão António de Oliveira Júnior, reses da mesma casta, mas já pura.
Durante alguns anos, a ganadaria esteve parada para uma nova fase de aperfeiçoamento, mas, mesmo assim, Estevão de Oliveira recebia propostas para remeter toiros para a nova praça do Campo Pequeno. Aos convites, respondia invariavelmente: «Por enquanto só tenho “cautelas” de 25 réis, e essas não podem ainda ser apresentadas em Lisboa. Distribuas pela província... Mais tarde! Mais tarde... lá irão!». Será o seu filho (Estevão Augusto de Oliveira), que em 1897 reaparecerá com os toiros “Pancas” no Campo Pequeno.
Foi-lhe dado o título honorífico de Comendador por D. Maria II. Em relação à atribuição desta Comenda – da “Conceição”, presumindo-se que se refira à Ermida de N. Sª. da Conceição em Alcochete, mandada construir pelo navegador Tristão da Cunha no século XVII -, dizem alguns historiadores que a mesma foi atribuída por D. Luís I. 
Leonor do Carmo Estevão Oliveira Sena da Silva, bisneta, afirma que foi D. Maria II, só que seu bisavô, na cavalgada para a Herdade de Pancas - quando da recepção a D. Maria - a perdeu. Mais tarde, depois de contado o sucedido, a monarca ofereceu-lhe outra. 
Quando da visita de D. Maria a Alcochete - para conhecer as suas propriedades - e, tendo viajado no vapor real “Dragão” com seu filho D. Luís – tinha este 9 anos, que mais tarde virá várias vezes a Alcochete para caçar nas terras de “Pancas” -, foi recebida no desembarco – pensa-se que nas “escadinhas” ou “rampa” no Largo da Misericórdia - pelo Comendador Estevão de Oliveira montado a cavalo e ladeado pelos campinos da casa, seguindo a comitiva para o monte de Pancas. 
Foi muitas vezes deputado, ora por Montemor-o-Novo, ora por Évora. Presidiu como Decano à Junta Preparatória em 1889 e 1890. Em 1891 entrou na lista quíntupla para os cargos de Presidente e Vice – Presidente. Foi depois suplente à Presidência, que chegou a exercer algumas vezes, tendo sido também durante alguns anos Tesoureiro da Câmara dos Deputados. 
Citamos dois parágrafos de uma conferência proferida pelo alcochetano Sr. António Lopes Lourenço, na Casa do Ribatejo, em 12 de Outubro de 1950:-
-- «Os deputados recebiam um subsídio, que mais tarde, em 1892 foi extinto. “Estevão” era um tesoureiro a valer, não confiando as suas funções a qualquer funcionário. Não queria ajudantes. Não fazia discursos na Câmara. Mais obras do que palavreado. Nada de questiúnculas. Todo ele era paz, tranquilidade e sossego. No entanto, chegado o fim do mês, o nome do deputado alcochetano andava de voz em voz para se ouvir esta frase: “Hoje fala o Estevam d’ Alcochete!” É que estava chegado o dia de pagamento do subsídio e não faltava ninguém a sublinhar com apoios a oratória do deputado Estevão de Oliveira, que pagava sempre em lindas moedas de cinco mil réis. Eram vinte a cada colega. E todas novinhas em folha!»

Texto e Foto de José Barrinha Cruz, Facebook

02 dezembro 2015

Fundação João Gonçalves Junior

Já há algum tempo procurava um texto de cariz histórico sobre a Fundação, sem grande sucesso, até agora. 

O Blog Praia dos Moinhos, foi criado por uma pessoa, que penso jornalista de profissão, chamado Fonseca Bastos. Esta pessoa, já falecida, no seu blogue debitou imensa informação histórica sobre Alcochete, indo mesmo às fontes para validar informação.

No meu tempo de “blogger” amador, penso que cruzei por duas vezes, mails com este senhor sobre alguns temas da nossa terra, dando ideias para pesquisas, mas nunca o conheci pessoalmente. Nas minhas pesquisas amadoras, o mundo da internet dá-nos por vezes perolas históricas, algumas desconhecidas. Pelo menos para mim e que desinteressadamente as transcrevo aqui. Muitos dos textos não são de minha autoria, e tenho sempre o cuidado de colocar as fontes onde absorvo informação.

A história que se segue é História, mas recente. Ponderei algumas vezes, sobre transcrevê-la ou não, pois poderia enveredar por caminhos mais “políticos” e algo recentes na memória de alguns alcochetanos, coisa que tenho mantido como, podemos chamar, a linha editorial, do meu blogue. O meu principal interesse é a História de Alcochete. A vertente política deixo-as noutras esferas.  
Decidi então publicar o post de Fonseca Bastos e pesando os prós e os contras e lendo um seu comentário, vejo que a realidade histórica mesmo que recente, deve ser explanada. Fonseca Bastos escreveu num comentário sobre este assunto que “ a História é habitualmente escrita pelos vencedores e raros têm oportunidade e curiosidade em conhecer e dialogar com os vencidos.
Relativamente a muita coisa do passado de Alcochete, entre a década de 40 e a actualidade, tive o privilégio de ler e escutar ambos os lados, dialogando com protagonistas ou seus descendentes documentados.
Consequentemente, para mim a verdade histórica diverge do que se tem propalado.
Suponho que os alcochetanos jamais se aperceberão da verdade enquanto derem ouvidos a quem jura abjurar o passado mas no presente age de modo idêntico”.

Mal ou bem, o que se segue não tem qualquer intuito politico, mas segue a linha que partilho com o autor. O texto é de 2008 e está presente no blogue ainda hoje. Assim como vários outros textos que partilharei neste meu blogue, por os achar historicamente importantes.



“A Fundação João Gonçalves Júnior tem pouco menos de 57 anos de existência e continuam, felizmente, entre nós inúmeras pessoas que, directa ou indirectamente, a ela estiveram ligadas desde início e bem conhecem os objectivos da sua instituidora. Por continuarem desconhecidos da maioria inúmeros factos, repito-os seguidamente. São pormenores não inéditos porque foram, pela primeira vez, publicados, em 2004, no portal «Tágides».

Em 5 de Dezembro de 1951, D. Mariana Gonçalves Dias de Sousa Rodrigues – cujo nome de solteira era Mariana Augusta da Cruz Gonçalves e que nunca teve filhos – em seu leito de doente terminal, em circunstâncias dramáticas e na presença de duas testemunhas, resolve ditar testamento e disposição de sua última vontade perante o notário dr. Fernando Tavares de Carvalho, que tinha a seu cargo o 9.° Cartório Notarial de Lisboa.
Conforme cópia do testamento em meu poder e que reproduzo na imagem acima, D. Mariana Gonçalves Dias de Sousa Rodrigues dispõe dos seus bens dividindo a herança pessoal em três partes iguais:
– A primeira deixa em propriedade plena a sua irmã, Emília da Cruz Gonçalves;
– A segunda parte, também em propriedade plena, transfere-a para outra irmã, Maria José Gonçalves Facco Viana;
– A terceira parte, também sem qualquer reserva, deveria ser aplicada numa fundação, cujos fins expressos são: "a distribuição de uma sopa aos pobres da freguesia de São João Baptista, de Alcochete, Fundação que tomará o nome de meu pai João Gonçalves Júnior e será administrada pelo Padre Crispim António dos Santos [à época pároco da freguesia], pelo dr. José Grilo Evangelista, médico em Alcochete, e pelo dr. José Maria Gonçalves Guerra, médico no Montijo".
Deixa bem expresso no testamento que a sede da fundação "será em Alcochete e que dado o caso de falecimento de qualquer dos nomeados administradores será ele substituído pelo que os sobreviventes nomearem".

Determinaria ainda que, "se por qualquer motivo, a fundação se extinguir, os bens que a tiverem representado serão deferidos a favor de todos os meus sobrinhos, filhos de todas as minhas irmãs, falecidas ou não falecidas, entre as quais deverá ser incluída, nas mesmas condições, a minha prima Ilda Gonçalves de Oliveira".

Em 7 de Janeiro de 1952 – menos de um mês decorrido após a elaboração do testamento – verifica-se o óbito da doadora, aos 63 anos de idade.
É instaurado o processo de Inventário Orfanológico obrigatório, que viria a ser profusamente recheado de incidentes processuais e de recursos para os tribunais superiores.
A fundação é legalmente criada em 1953 e litiga com isenção de custas, pelo que os recursos são subscritos em seu nome.
O litígio arrastar-se-á por onze longos anos, sem que os administradores nomeados em testamento conseguissem pôr a funcionar a fundação e a sua sopa dos pobres. 

Em 30 de Maio de 1962, o ministro da Saúde e Assistência emite um despacho nomeando uma Comissão Administrativa para a fundação. A posse será conferida no dia seguinte, em Setúbal, pelo Governador Civil do distrito, dr. Miguel Rodrigues Bastos. A comissão é constituída por dr. Francisco Elmano Cruz Alves, advogado; dr. José Grilo Evangelista, médico em Alcochete; e António Antunes, provedor da Santa Casa da Misericórdia de Alcochete, tendo como objectivos prioritários terminar o processo judicial, entrar na posse dos bens da herança e pôr a instituição em funcionamento efectivo.

Em 15 de Agosto de 1962 é aprovado o primeiro orçamento da Fundação João Gonçalves Júnior e, em 15 de Janeiro seguinte, arrendado o prédio então pertencente a Aires Salvado de Carvalho, sito na Rua Dr. Ciprião de Figueiredo (ex -D. Manuel I), n.°s 24 a 28 – hoje edifício de propriedade municipal e abandonado – no qual se instalam provisoriamente a sopa dos pobres e a secretaria da instituição. 

Começava, finalmente, a cumprir-se a última vontade da benemérita doadora.
Em Abril 1963 iniciam-se as obras de adaptação do edifício arrendado e procede-se ao seu apetrechamento.

Em 15 de Novembro do mesmo ano saldam-se as contas com o dr. Carlos Zeferino Pinto Coelho, advogado que representou a fundação em juízo durante doze anos.
Em Dezembro de 1963 obtém-se a colaboração da Congregação das Irmãs Franciscanas de Calais, que virão dirigir a sopa dos pobres e o futuro patronato das crianças, celebrando-se na Igreja Matriz solenes exéquias em memória da fundadora. 

Então a Comissão Administrativa resolve, dentro de uma interpretação extensiva dos fins testamentários definidos para a fundação, que a assistência a prestar aos pobres não seria restrita ao plano alimentar – onde, aliás, as carências em Alcochete vinham diminuindo com o surto de industrialização. As carências educacionais eram tanto ou mais importantes como o pão para a boca e a criação de um jardim infantil preencheria essa lacuna, visto que muitas mães trabalhadoras não tinham a quem confiar os filhos durante o dia.

Em 7 de Janeiro de 1964, com a presença do Governador Civil do distrito, e do dr. Manuel Medeiros, em representação do Director-Geral da Assistência, é inaugurada a sede provisória da sopa dos pobres.

Dezasseis dias depois é proposta a alteração dos estatutos, para contemplar o jardim infantil e aumentar de três para cinco o número de administradores da fundação.
A 20 de Março de 1964 delibera-se adquirir à família Barreto, herdeira de D. Mariana Rosa Adivinha da Costa, o prédio sito no Largo de São João, n.ºs 23 a 27, por 330 contos, a fim de aí erguer a futura sede (o edifício hoje existente).

Em 15 de Abril seguinte chega a Alcochete a comunidade religiosa, composta por quatro irmãs e a superiora, que se dedicarão inteiramente à sua missão.

Em Outubro desse ano terminaria o primeiro arrendamento das marinhas de sal, celebrado em 1962 – as marinhas do Brito, junto à Praia dos Moinhos, foram integradadas no terço do testamento atribuído à fundação – e, em Março do ano seguinte, realizar-se-ia a primeira ida à praça do arrendamento, não aparecendo candidatos. A segunda praça ficará igualmente deserta.
Perante este cenário, em 24 de Abril de 1965 resolve-se, corajosamente, empreender a exploração directa das salinas, contratando um encarregado para dirigir a exploração. Ainda hoje essas marinhas estão a cargo da fundação, embora com significativo apoio financeiro do município, visto serem deficitárias.

Voltando um pouco atrás, a 7 de Janeiro de 1965, data do 13.º aniversário do óbito da fundadora, é inaugurado na sede o busto em bronze do seu patrono, João Gonçalves Júnior, da autoria do escultor Luís Castelo Branco (o mesmo da estátua do Padre Cruz), hoje visível na entrada principal do jardim infantil, na Rua Carlos Manuel Rodrigues Francisco.
Ao tempo o jardim infantil funcionava com 50 crianças e a escritura de aquisição do prédio original à família Barreto é outorgada em 17 de Novembro de 1965, sendo doado pelos vendedores um donativo de 20 contos.

A forma amiga como decorreram todas as as negociações levaria a fundação a atribuir a duas salas de aula os nomes de D. Mariana Rosa Adivinha da Costa e D. Maria José da Graça Barreto de Bragança, Duquesa de Lafões.

Em 2 de Janeiro de 1966 é entregue ao arquitecto Lopes Galvão a elaboração do projecto do actual edifício sede da fundação, prevendo as mesmas três frentes que continuam a existir.
Em 9 de Outubro de 1966 o dr. Elmano Alves propõe a sua substituição na presidência da fundação pelo Padre José Gonçalves dos Santos, pároco de Alcochete, que se concretizaria apenas em Julho de 1968.

Em 15 de Janeiro de 1969, o então Cardeal Patriarca de Lisboa, D. Manuel Gonçalves Cerejeira, dá a benção à primeira pedra da sede, as obras iniciam-se de imediato e em força.
Entretanto surge a oportunidade de instalar, no rés-do-chão do Largo de São João, a agência do Banco Pinto de Magalhães, a primeira dependência bancária que houve Alcochete, hoje pertencente ao Millenium.

Em Setembro de 1972 conclui-se a negociação do arrendamento com o Banco Pinto de Magalhães, mediante a renda mensal de 6.000$00 (importância que na época correspondia ao valor dos salários do pessoal da fundação), além da entrega de mais 300.000$00 e de um donativo de 100.000$00 para o jardim infantil.

Em Junho de 1975 o dr. Elmano Alves renuncia definitivamente à administração da fundação, de imediato aceite pelos seus pares, e o então comandante Fuzeta da Ponte – hoje almirante na reserva – que, ao tempo, assumia funções de Governador Civil designado pela Junta de Salvação Nacional, pressionava o saneamento da administração da Fundação João Gonçalves Júnior.
O resto da história é conhecida de alguns e conviria que a revelassem hoje em pormenor.”


Texto de Fonseca Bastos, 2008 em Blogue Praia dos Moinhos

30 novembro 2015

Patuleia

(clique na foto, para ver com maior definição)

A Patuleia foi um conjunto das lutas travadas em Portugal entre os Cartistas - aqueles que defendiam ideias de tendência conservadora, tendo como ponto de referência a Carta Constitucional de 1826, como Mouzinho da Silveira, Costa Cabral e os duques da Terceira, de Saldanha e de Palmela - e os Setembristas - liberais radicais também conhecidos por patuleias, representados por Passos Manuel, José da Silva Passos e o visconde de Sá da Bandeira.


Em 1846, ainda sob o efeito da revolta da Maria da Fonte, preparavam-se novas eleições legislativas, que, tudo indicava, dariam a vitória à união de anticabralistas radicais e moderados que tinham subido ao poder na sequência daquela revolta. Contudo, nas vésperas dessas eleições, a rainha D. Maria II, apoiada pelos marechais Saldanha e Terceira, desencadeia a 6 de outubro um golpe de estado que ficaria conhecido por Emboscada. Nessa noite, o duque de Palmela, chefe do Governo, é chamado ao paço de Belém, onde é obrigado a referendar os decretos de exoneração do executivo existente e os de nomeação do que o iria substituir, ficando virtualmente detido.




Lisboa acorda, assim, com um novo ministério e um novo rumo político - nesse mesmo dia são suspensas as eleições, reintegrados os oficiais que haviam sido afastados, feitas várias prisões, suspensas as cortes e os jornais, tomando a rainha plenos poderes.
Numa proclamação dirigida ao país, a rainha justifica a sua atitude com a necessidade de salvar a Carta Constitucional de 1826, outorgada por seu pai, D. Pedro IV, enquanto que Lisboa assiste passivamente ao desenrolar dos acontecimentos.


A oposição setembrista, politicamente mobilizada por causa das eleições que se avizinhavam, reagiu energicamente, sobretudo fora da capital, defendendo abertamente a deposição da rainha, tendo sido mesmo, entre os mais extremistas, apoiada a proclamação da república. O duque da Terceira foi, então, enviado ao Porto, na qualidade de lugar-tenente da rainha, por aquela cidade ser o grande centro da oposição. Esperava-se que o prestígio do duque - como uma das figuras mais respeitáveis e consideradas da causa liberal - impedisse qualquer sublevação. Quando tomou conhecimento de que o duque da Terceira se encontrava na barra, José da Silva Passos, mais conhecido por Passos José, prestigiado liberal portuense, fez os sinos tocarem a rebate e mobilizou a população, conseguindo inclusive a adesão da Guarda Municipal, de Infantaria 6 e de Artilharia 3, entre outras tropas.

Enquanto a cidade se enfurecia, Passos José acompanhou o duque da Terceira ao Castelo de São João da Foz, onde ficou preso até ao fim da revolução.
Na Câmara Municipal do Porto foi nomeada uma Junta Provisória do Governo Supremo do Reino, presidida pelo conde das Antas, à semelhança do que tinham feito os vintistas em agosto de 1820.
Um pouco por todo o país, a rebelião estalou e, em poucos dias, o país setembrista estava de armas apontadas contra a traição da Corte. Iniciou-se a campanha militar com o avanço das forças revolucionárias sobre Lisboa, que Saldanha conseguiu travar em Torres Vedras.
Entretanto, instalou-se de novo a agitação popular e assistiu-se ao renascer da causa miguelista, chegando a proclamar-se, em alguns lugares, a monarquia absoluta. O brigadeiro Macdonell assumiu então o comando das tropas miguelistas.



No Porto, os chefes setembristas aventaram a hipótese de uma aliança com os absolutistas, chegando a correr boatos de que D. Miguel estava a caminho do país e que os revoltosos o aceitariam como rei constitucional. Isto iria servir de pretexto ao Governo de Lisboa para pedir a intervenção de Espanha, ao abrigo do Tratado da Quádrupla Aliança de 1834.

A Inglaterra, no entanto, opunha-se à intervenção espanhola e dispôs-se a enviar uma esquadra para proteger a pessoa de D. Maria.
Entretanto, uma expedição naval levou uma divisão patuleia para o Algarve, de onde seguiria para Lisboa. A divisão chegou a Setúbal, sem nenhuma oposição, onde se manteve.
As dificuldades do Governo aumentavam de dia para dia: fome em Lisboa, atmosfera de pânico um pouco por todo o reino, etc. A rainha e o marido, D. Fernando, insistiam numa intervenção inglesa - assim, uma esquadra inglesa aprisionou a armada rebelde quando esta partia para Lisboa com cerca de dois mil homens. Simultaneamente, duas divisões espanholas entraram pelo norte do país, ocupando a cidade do Porto.
Na falta de um acordo político, a intervenção estrangeira ditou os termos da Convenção do Gramido (29 de junho de 1847), que terminava com oito meses de guerra civil.

A 5 de Novembro de 1846, manda D. Maria II que se organizem duas companhias, em locais onde existem já forças armadas e organizadas. Uma delas em Alcochete, cujo capitão e administrador do Concelho seria Francisco Rodrigues Cebola. 
Sem que fontes directas que indiquem que a criação das companhias, possam estar relacionadas com a Patuleia, os timings acertam-se entre a Emboscada e a sob o efeito ainda efeito Maria da Fonte.

Fontes: Infopedia e Google Books

27 junho 2014

João Roiz





Após a visita de alguns italianos a Portugal para a demonstração de engenhos subaquáticos na Idade Média, onde apresentaram os famosos sinos de mergulho, existem escassíssimas referências, mais difusas, a experiências subaquáticas que ocorreram na época moderna. Datam aproximadamente do segundo quartel do século XVI os primeiros relatos conhecidos em Portugal.

O documento mais antigo referente a tais experiências põe em destaque um João Roiz - embora não datada, outros elementos indiciam seguramente ter sido redigida no segundo quartel do séc. XVI. Nela se mencionam uma série de “engenhos” para merecer a atenção e o dinheiro régios, das quais se destaca pela sua singularidade um equipamento específico para exploração do meio subaquático. 
De acordo com o documento anónimo, aparentemente redigido por uma outra pessoa, Roiz terá dito “que muitas vezes acontece em porto de mar ou de rio cair alguma cousa em que as vezes se perde muita fazenda e por falta de nom poderem andar debaixo d’agoa se perde muita cousa”. Para corrigir esta situação, João Roiz pretendia proceder a uma experiência, fazendo com que “vá hum homem abaixo a ter(r)a (sic) e estê lá espaço que pos(s)a fazer o que for neces(s)ário”. 


As novidades prosseguem neste documento de raro interesse, pois ficamos a saber de uma proposta anterior no mesmo sentido que não surtiu efeito. Esta indicação sugere que aquele ensaio consistiria na tentativa de travessia subaquática do estuário do Tejo entre a povoação de Alcochete, de onde era natural o proponente, e a cidade de Lisboa. Por isso, Roiz previne o rei contra o cepticismo previsível provocado por esse prévio fracasso“Acerqua disto dirã(o) a Vossa Alteza que será isto como foy ho homem d’Alcouchete (sic) que dis(s)e que avia de vir por baixo d’agoa a Lixboa digo que isto que eu dito tenho se pode fazer e se faz em algumas partes fora destes Regnos e acerqua deste engenho creyo que darey outro milhor que ho que eu vy e que o que se usa fora daquy eu ho direy a Vossa Alteza e creya Vossa Alteza o que digo poder ser asy que em estas cousas posso servir a Vossa Alteza se dellas se quiser servir (...)”. [a carta de proposta encontra-se no Arquivo Nacional da Torre do Tombo, Cartas Missivas, e foi publicada por Sousa Viterbo, Inventores Portuguezes (Coimbra, 1902)]

Este documento alude a uma versatilidade tipicamente renascentista de conhecimentos no campo bélico e náutico, pois as suas propostas ao rei incluem “engenhos” para fundir artilharia “por menos preço e menos metal” e avaliação da qualidade da pólvora produzida. Percebe-se que Roiz estivera previamente envolvido na produção de artilharia e noutras iniciativas afins em Inglaterra ao serviço de Henrique VIII. Apresentou também um novo sistema hidráulico a bordo dos navios da Carreira da Índia concebida para optimizar, duplicando, o rendimento das bombas dos navios aperfeiçoando modelos anteriores.

Porém, tal como sucedeu a tantos outros empreendedores subaquáticos, o rasto de Roiz e das suas propostas submarinas perdeu-se no agitado século de Ouro das navegações portuguesas. 

A travessia do “homem de Alcochete” e o “engenho” de João Roiz para resgate de objectos submersos mostram-se aqui como as primeiras referências expressamente alusivas a propostas de mergulho com recurso a equipamentos especialmente concebidos para o meio subaquático de que há conhecimento em Portugal.
Porém, se é certo que Roiz solicitou o uso exclusivo na utilização dos seus “engenhos” (provavelmente variantes do sino de mergulho), desconhece-se a existência da respectiva resposta régia, se bem que na ausência de qualquer referência ao emprego de tais inventos na costa portuguesa no reinado em que foi proposto (D. João III), se possa sugerir que não terão surtido efeito.
Se a experiência de João Roiz teve efectivamente lugar supomos que terá sido realizada muito provavelmente utilizando um sino de mergulho, cuja utilização moderna se iniciou ainda no séc. XVI. Sendo certo que, por um lado Roiz invoca ter servido um rei inglês, e por outro, justamente no reinado de Henrique VIII vários mergulhadores venezianos trabalharam em Inglaterra na tentativa de resgate do navio de guerra da Coroa inglesa Mary Rose afundado em 1545, poderá ter sido com estes que o português aprendeu a “vir por baixo d’agoa”. De facto, as derradeiras notícias relativas ao salvamento deste célebre navio ainda em meados de Quinhentos mencionam a artilharia recuperada entre1545 e 1549 sobretudo pelo mergulhador Piero Paolo, natural de Veneza.






O navio de guerra Mary Rose, jóia da armada de Henrique VIIIretratado pouco antes do seu trágico afundamento. "Anthony Roll" (1546)










Fonte e Imagem: Blog Maritimo

21 abril 2014

O Sal - Parte 7



Vida dos Salineiros

Os trabalhadores das marinhas do salgado de Alcochete designados por salineiros, normalmente, iniciavam a sua actividade nas marinhas muito novos por volta dos 9/10 anos ou depois de concluírem a escola primária, aos 12 anos. Muitos não iam à escola e logo que se pressentia alguma robustez física, mesmo ainda crianças eram iniciados nos trabalhos das marinhas. Aos nove anos a sua função era de apoio aos trabalhadores, transportando a água para servir os que trabalhavam debaixo do sol escaldante – eram conhecidos pelos aguadeiros. 

Alguns iniciaram a sua vida nas marinhas, aos 6 anos, acompanhando os seus pais e desempenhando a mesma função de aguadeiro. Assim nos relatou um salineiro que aos 6 anos começou a acompanhar o pai, mestre da marinha, como aguadeiro. Nas marinhas executou vários tipos de trabalhos, chegou a ser “punhos reais”. Trabalhou em várias marinhas até ao momento em que deixou o trabalho das marinhas para ir trabalhar para a Firestone (fábrica de pneus), nos anos 60. No entanto, nunca se esqueceu das marinhas e depois de se reformar voltou a dedicar-se à salicultura, ajudando nos trabalhos de limpeza e, na altura da colheita, quando era necessário bastante mão de obra para “rer” o sal e tira-lo das barachas para a serra. (informante: Torcato Guerra).

Aqueles que iam à escola começavam a trabalhar quando concluíam a 4ª classe. Também nas marinhas iniciavam a sua actividade, deixavam de ser crianças muito cedo, quase desconhecendo o significado de brincar. Depois de um dia duro de trabalho, não havia muito tempo para a brincadeira e o cansaço era grande.

 Assim aconteceu com o Sr. Manuel Nicolau que aos 13 anos e feito o exame da 4ª classe, começou a trabalhar nas marinhas. A primeira marinha onde trabalhou foi na Gema – Cova pertencente a D. Mariana Gonçalves, que em 1952 passa a integrar as salinas da Fundação João Gonçalves Júnior. Sempre trabalhou nestas marinhas. ( informante: Sr. Manuel Nicolau)
O Sr. Manuel Nicolau aprendeu a “arte de salineiro” com o pai, actividade que mantém até hoje, aos 85 anos. Conhece bem as marinhas e os processos de feitura do sal. Nas marinhas executou todo o tipo de trabalhos. A sua sensibilidade e capacidade de observação aliada ao seu porte robusto, tornou-o marnoteiro, o mestre das marinhas de D. Mariana Gonçalves, função que continua a desempenhar na Marinha do Brito. Enquanto Mestre da marinha, vai ensinando aos mais novos que trabalham sob as suas ordens a “arte de salineiro”, transmitindo o seu saber obtido pela experiência acumulada durante 70 anos, para que se mantenha viva uma arte que ameaça extinguir-se. Amanhar as marinhas é uma tarefa que só alguns sabem fazer, por isso é preciso em primeiro lugar ensinar a observar, para depois poder estar apto a executar todos os trabalhos, com a perícia e destreza necessária até à feitura do sal: Limpeza das marinhas, circulação da água até às caldeiras de moirar e depois para os talhos, até à obtenção dos cristais de sal. Finalmente a tirada do sal e o carrego até à Serra. A feitura da Serra também não é tarefa fácil, é preciso saber como se vai colocando o sal por camadas, uma vez que as camadas que se vão sobrepondo até construir a serra são feitas de diferentes tipos de sal.

 Conforme descreve o Sr. Manuel Nicolau, a maioria das famílias de Alcochete viviam da produção do sal, como assalariados. A aprendizagem fazia-se em tenra idade e era transmitida de pais para filhos, pois já os seus bisavôs, avós e pais tinham aprendido a “arte de salineiro”.

 Na primavera iniciavam-se os trabalhos de limpeza das marinhas e no verão a actividade intensificava-se com a safra do sal, exigindo grande quantidade de mão-de-obra. No Inverno o salineiro dedicava-se à agricultura e ao “descarrego” do carvão no Porto de Lisboa, actividade que o Sr. Manuel Nicolau também exerceu.

Conforme refere em 1950, José Estevam, “O trabalhador de Alcochete entrega-se no verão ao serviço das marinhas e, pelo ano fora, na descarga do carvão. Antes da descarga empregava-se, além do serviço do sal e dos barcos, a cortar mato na charneca (…). Sem queda para o negócio ou para a indústria, que requer espírito de poupança, sabendo ou não ler e escrever, otrabalhador nada mais faz que tratar do sal e acarretar carvão, mesteres em que labuta desde menino e moço, sem embargo de se adaptar a outro serviço, pela faculdade mui apreciável de assimilação ou apropriação a qualquer labor.”

 O marnoteiro (Sr. Manuel Nicolau) refere ainda que, a vida não era fácil e o trabalho nas marinhas era muito duro. Daí que durante a safra os trabalhadores procuravam animar o trabalho e o carrego do sal para a Serra com “ O conto do sal”, que consistia em entoar em voz alta em forma de pregão o número de canastra que se erguia para a cabeça do carregador. Este cantava então: “esta é a primeira”, “aí vão duas”, “aí vão três”, “aí vão quatro” e assim sucessivamente até ao número 14 e entoavam “a véspera do moio!”, pois as 15 canastras perfaziam o moio. Depois iniciavam novamente o conto.
 Refere o Sr. Nicolau notando-se alguma nostalgia no seu timbre de voz: “ estes eram tempos em que dava gosto olhar para as marinhas todas cobertas de sal até perder de vista”.

 Ainda nos finais dos anos 80 era normal os jovens durante as férias escolares no verão irem trabalhar nas  marinhas, ganhando um pequeno salário que lhes permitia comprar alguns objectos pessoais.
Os trabalhadores da marinhas encontraram uma forma de ocupar o seu tempo nas horas de descanso - descobrindo uma arte que se revelou na construção de miniaturas de barcos, de formas para pães de sal. Mas evidencia a sua capacidade para aproveitar os instrumentos já gastos e dar-lhe formas ao seu gosto, associando a funcionalidade à arte. 
Os barquinhos eram feitos pelos “criados das marinhas” que cheios de paciência enchiam a “tábua superior de desenhos , de números, de iniciais, de nomes, de datas, V.V.Fx:, B. do J.S., 380, 499, 314, Carlos roque, 16 de Julho de 1910; uma casa desenhada a traço simples; barcos de duas velas, como a fragata do Tejo, duas letras, L.P., entre figuras de sino-saimão; toda uma arte infantil de ganhões, analfabetos, que aproveitavam o descanso da sesta, dando que fazer à navalha  que acabou de recortar o pão e o queijo da refeição frugal.”

Os mestre das marinhas revelam uma arte mais sofisticada, dedicando-se à construção de pequenas caixinhas todas trabalhadas “formas de sal fino, em que se manifesta a arte do sal, popular especial, exercida pelos marnoteiros e por algum criado de mais alta graduação.
È costume velho, o mestre aproveitar o primeiro sal fino que recolhe para fazer os pãezinhos em formas de paralelepípedos, os quais depois oferece seja aos patrões, seja ás pessoas por quem tem amizade ou consideração. Este sal fino, colhe-se nas cabeças dos caldeirões de moirar e nas dos talhos”. (…) Um dia o mestre imaginou que, lavrando em covos as réguas laterais, ficariam figuras em relevo sobre as paredes do pão de sal, adornando-o, e, sobre pedaços de azinho tirados aos rodos velhos, foi abrindo à navalha tudo quanto a sua limitada fantasia lhe inspirava.”
Por isso, segundo Mário de Sá, as caixas são todas diferentes na decoração, cada caixa trata um assunto, umas apresentam motivos naturalistas, alusivos à terra e à água, motivos sagrados e profanos ( cabeças de touros, flores e plantas de vários géneros, caranguejos, ferros dos lavradores de Alcochete de casa agrícolas, como o ferro dos condes de Cabral; do lavrador Joaquim Pedro de Oliveira, da Sociedade Agrícola e produtora de sal, da Casa do Pancas e dos Irmãos de Oliveira)”.
 “Assim, começou sabe-se lá quando, a arte no sal, uma arte popular, ingénua, sem preocupações, influenciada por um restrito campo de observação, o de salineiro cuja vida se passa mais junto á água dos caldeirões, do que no povoado, com imagens tiradas da Terra  e da água, dos moinhos, dos barcos, dos animais, das plantas e dos objectos por vezes estranhos.”

Fonte: Maria Dulce de Oliveira Marques – Dissertação de Mestrado –“O Salgado de Alcochete”


Foto: Junta Freguesia de Alcochete 

O Sal - Parte 6

Mão de Obra
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Ao nível da mão-de-obra utilizada no trabalho das salinas, verifica-se que, em 1790 o salgado de Setúbal e de Lisboa desempenhava um papel económico importante na região, uma vez que os recursos humanos utilizados na salicultura, eram bastante significativos. Em Lisboa trabalhavam nas salinas 1.860 obreiros e em Setúbal 1.760, (Quadro 2 do cap. 1, Lacerda Lobo) o que significa que a indústria do sal representava uma fonte de rendimento para as famílias locais. A par da agricultura, esta seria a indústria que empregava mais mão-de-obra na região, especialmente na margem sul do Tejo. Por outro lado, o comércio do sal, quer nos mercados nacionais quer externos, constituía uma mais valia para o desenvolvimento económico da região, sendo rentável para os comerciantes deste produto e para os proprietários. 
Em 1932 o pessoal empregado na salícultura, na margem esquerda do Tejo regulava 1.300 operários. Alcochete empregava 600 trabalhadores; Vasa-Sacos 150; Montijo 200; Moita e rosário 200 e Barreiro.
Conforme se pode inferir deste dados, a indústria salineira nesta altura era de longe a mais intensa desta região, o que vem corroborar a alta produtividade das salinas, como já se explicitou

Os proprietários

O sal, as marinhas que desde há séculos marcam a paisagem alcochetana, reflecte-se também na vida das famílias que cresceram em torno de actividade salineira. Por razões diferentes mas todos eles dependiam desta indústria: uns proprietários e senhores da marinhas, outros laborando de sol a sol para que a colheita fosse boa e o sal da melhor qualidade para o comércio. Trabalho duro e árduo mas todos tinham orgulho no sal das suas marinhas. 
 Em Alcochete a indústria salineira, foi desde que há memória, e a documentação assim o atesta, a principal forma de vida e fonte de rendimento da comunidade alcochetana. A produção de sal e o seu comércio, influenciaram o desenvolvimento social e económico da região, cuja delimitação do próprio território revela as marcas de uma cultura ligada à actividade salineira. O território foi-se construindo /reconstruindo e reestruturando a par da indústria salineira que ao longo dos séculos cada vez mais se foi implantando na paisagem, provocando um articulação, quase uma aliança, entre o rio, a terra e as gentes.
 Esta intimidade com o rio prolonga-se no espaço, nas vivências sociais e nas manifestações culturais, um misto entre o profano e o religioso. 
 O tecido social foi-se estruturando em torno do desenvolvimento da salicultura e da agricultura, actividades fundamentais na economia local. As famílias abastadas eram as detentoras da propriedade, uma vez que a posse de salinas implicava ter capacidade económica para construir salinas e para suportar todos os custos com a produção e conservação. 

 Grande parte da população trabalhava para os proprietários, quando estes faziam exploração directa, ou trabalhavam para os seus rendeiros que exploravam as salinas. Também estes rendeiros tinham de possuir alguma capacidade económica para suportar todas as despesas com a produção.). Em 1932 o pessoal empregado na salicultura, na margem esquerda do Tejo regulava 1.300 operários. Alcochete empregava 600 trabalhadores; Vasa-Sacos 150; Montijo 200; Moita e Rosário 200 e Barreiro .




































Fonte : Maria Dulce de Oliveira Marques – Dissertação de Mestrado –“O Salgado de Alcochete”

O Sal - Parte 5



Em 1954, o salgado de Alcochete era composto por  61 marinhas de cabeceira e 33 de corredores. Na região de Alcochete-Samouco predominavam as marinhas de cabeceiras, apresentando 51 marinhas deste tipo e 16 de corredores; no rio das Enguias existiam 10 marinhas de cabeceiras e 15 de corredores e na região de Vasa-Sacos as duas marinhas aí existentes são também de corredores. 
 Assim, dentro do mesmo salgado existem diferentes tipologias de marinhas, que por isso vão determinar os processos da feitura do sal, o tipo de sal que se produz e a qualidade do mesmo. A própria actividade dos salineiros é marcada pelo tipo de marinha em que está a trabalhar, embora no essencial estejam sujeitos aos mesmos princípios.

As marinhas grandes são as de corredores, embora também se encontrem marinhas pequenas deste tipo.
 As marinhas de cabeceira são geralmente mais pequenas do que as outras, apresentando um traçado irregular e a maioria não ultrapassa as 500 toneladas de produção. Esta tipologia corresponderá à concepção das marinhas mais antigas de Alcochete, o que lhes confere, pelo seu traçado, uma especificidade relativamente aos outros salgados, nomeadamente da região de Lisboa. Da análise da documentação tudo indica  que as marinhas de cabeceira terão sido as primeiras a construírem-se em Alcochete, uma vez que Lacerda lobo, na sua obra Marinhas de Portugal refere que “as marinhas que ficam a sul do Tejo situadas nos extremos de Alcochete, Aldeia Galega, Moita e Alhos Vedros, todas têm 5 ordens de reservatórios (exceptuando as da ribeira do batel) chamados pelos marnoteiros, viveiros, caldeirões, caldeiras, cabeceiras e talhos. São formadas por um terreno ordinariamente apertado o que influi muito na bondade das marinhas, sendo melhores aquelas, que têm endurecido o fundo dos talhos onde se faz a cristalização.”
Parece que este tipo de solo, a que se refere é o casco ou traste, que em 1877 Alcoforado, refere nos seus trabalhos sobre as características do solo das marinhas dos vários salgados. Porém, Lacerda Lobo, nada adianta sobre esta matéria.
Quanto à tipologia da marinha a ordem e número de reservatórios, bem como a designação, integra-se no essencial na tipologia das marinhas de “cabeceira”.

Amanho

  Em Março/Abril, iniciam-se os trabalhos de preparação da nova safra: trabalhos de limpezada
marinha, escoam-se as águas e fazem-se as reparações (consertos) dos possíveis estragos causados pelo Inverno. 
 A limpeza dos vários compartimentos é feita segundo a ordem em que se dispõe na marinha, até chegar aos talhos, conforme ser referiu a propósito da descrição da marinha.
 Desta forma, primeiro procede-se à limpeza do viveiro, feita com pás e rodos e cortam-se as moitas dos respectivos muros. Em princípios de Abril mete-se água no viveiro.
 A reserva também é limpa da vegetação e lamas, corrigindo-se a superfície. Os trabalhos são feitos com o rodo.
 Seguidamente faz-se a limpeza dos terceiros caldeirões e contra-caldeirões, depois de passar a água para a reserva e caldeirões. As barachas são também arranjadas utilizando três tipos de pás- Pá de pejo, pá de valar e pá ferrada.  Quando já estão limpos a água regressa aqueles compartimentos.  Finalmente faz-se a limpeza dos caldeirões. Estes, depois de limpos ficam em seco, dois a três dias, para “curar” sendo novamente cheios com a água dos terceiros e contra caldeirões, com uma concentração de 10 a 16º Bé
 Depois de executados todos estes trabalhos, procede-se ao “descarrego” da marinha, sendo a água de alagamento, com uma concentração de 14 a 17º Bé, distribuída por todos os compartimentos da marinha que  foram cuidadosamente limpos. Esta operação é feita com recurso ao bombeiro ou engenho. Finalmente faz-se a limpeza dos talhos, que estavam alagados, assim como o seu nivelamento. Estas operações, têm a designação de “deitas”, no salgado de Alcochete.
 Estes trabalhos “deitas” devem ser feitos com muito cuidado de modo a não rasgar o feltro da talharia (ou cozimento) e deve aproveitar-se a água salgada que durante o Inverno cobriu a marinha. No entanto, por vezes podem acontecer acidentes durante as deitas, tais como romper o feltro, com o rodo ou a constipação das marinhas. Ou seja quando a água de alagamento, atinge uma concentração muito elevada, há necessidade de a diluir. Se a diluição for feita bruscamente e com “água muito fresca” o cozimento pode sofrer danos irreparáveis.
 Terminados os trabalhos de arranjo e preparação dos talhos, deixam-se expostos ao sol durante dois a três dias, para melhor consolidação e para aquecimento (nas marinhas sem cozimento).
 No final das “deitas” a água da marinha possui já uma concentração elevada, podendo obter-se facilmente nos caldeirões ou cabeceiras (conforme o tipo de marinha) uma concentração de 25º Bé.

Feitura do Sal

Após os trabalhos anteriormente descritos, cuja finalidade é deixar a marinha completamente limpa e depois da água ter adquirido o grau de concentração necessário nos diversos reservatórios evaporatórios, o marnoteiro inicia as operações de feitura do sal:
 Primeiro moiram-se os talhos, que significa meter-lhes água das caldeiras de moirar. Ou seja, depois de secos e aquecidos, os talhos recebem a solução (água concentrada) a 25-26º Bé, das caldeiras de moirar, operação que se repete de dois em dois dias. A quantidade de água que entra nos talhos, deve ser suficiente para cobrir as “cabeças” (partes mais altas) dos talhos ficando com uma altura de solução de 2 a 4 cm. A cristalização começa rapidamente.

 Por sua vez os caldeirões (caldeiras nas marinhas pequenas), ou cabeceiras ficam com pouca água ou seja, ficam “de rastos” e estando já muito salgados, salgam ainda mais, pois ficamquase em seco durante um dia e expostos ao sol.
Por isso, recebem mais água concentrada a 18-20º Bé dos contra-caldeirões, atingindo rapidamente os 25º Bé, dado que já estavam salgados e aquecidos e a altura da água é muito pequena.
 Entretanto, daí a 3-5 dias as cabeças dos talhos, cobertas de sal, começam a descobrir, sendo necessários dar entrada de mais água, ficando novamente com uma altura de 3 a 5 cm. O marnoteiro quando observa o abatimento do talho, sabe que está na altura de dar entrada de mais água nos talhos. Para calcular a concentração de água o marnoteiro recorre ao pesa-sais. Até 1866 os marroteiros de Lisboa, “serviam-se de um ovo de galinha, como de aerómetro, para conhecer o estado de saturação das moiras; porque o peso específico daquele corpo faz uma pequena diferença para menor, comparando com a água do mar a 25 graus. Logo que o ovo boiava à tona do liquido, tinha adquirido a precisa graduação para entrar na talharia.”
 Refere o mesmo autor que “a partir de 1866 o Sr. Estevão António de Oliveira, abastado e inteligente proprietário das marinhas de Alcochete, começou a usar o aerómetro; e hoje este instrumento utilíssimo é conhecido e adoptado geralmente pelos marroteiros da capital”.
 Se o tempo for favorável, ou seja, tempo quente com ventos brandos dos quadrantes Norte e Oeste, a entrada da solução nos talhos, faz-se de dois em dois dias. A solução do descarrego, vai sendo consumida e a água do viveiro vai avançando, novamente até chegar aos talhos. A concentração nos conta-caldeiros e caldeiras vai diminuindo e passados 15 a 20 dias, não ultrapassa os 15º Bé. A água entra nos caldeirões ou cabeceiras com esta concentração, atingindo aí 25º Bé.

Passados 25 a 30 dias, a altura de sal nos talhos é de 2 a 3 cm, iniciando-se então a colheita do sal.
Alcoforado em 1877, refere que” passados 20 a 30 dias, isto é, no princípios de Agosto, está formada, madura, a primeira camada, que tem ordinariamente 0,06 m de espessura ( 6 cm). Esta primeira colheita chama-se raza, é rapada (tirada) com rodos, exactamente como em Setúbal, tendo-lhe previamente quebrado o lavor (crosta salina)”.

A rapação

No início de Agosto quando os talhos apresentam já uma altura de 2 a 3 cm de sal, inicia-se a colheita do sal, sem escoar as águas mães. A colheita, designada rapação, é feita com rodos, sendo feita com a maior ou menor facilidade, consoante a natureza do fundo do talho e a altura da camada de sal. A rapação inclui a lavagem nas águas mãe, excepto se a marinha produz sal apenas para a indústria. É de apreciar a perícia dos trabalhadores durante a rapação.
 Durante a rapação o sal é puxado para os lados dos talhos – operação de atravincar.
 Escorre durante algum tempo e é depois arrastado para cima das barachas, onde fica durante dois ou mais dias a secar, sendo depois transportado em canastras para as eiras. 
 Diz Alcoforado, “depois de escorrido o sal algum tempo sobre as barachas, é levado para as eiras, onde se acumula em grandes montes, a que os marroteiros do Lavradio, Alhos Vedros e Moita, dão a forma original de uma lancha voltada de quilha para o ar.”

 O número de rapação em cada safra varia entre 3 a 6, consoante o ano e se o tempo favorável permite o prolongamento da colheita durante o mês de Setembro.
 Anteriormenteriormente a “tirada” de sal das barachas para as eiras era uma tarefa muito violenta, por isso deveria ser feito por homens de força. 
À medida que a safra vai avançando as concentrações são cada vez menores. A água fornecida pelos caldeirões ou cabeceiras, consoante o tipo de marinha, é cada vez menos concentrada e por isso a camada de sal vai desaparecendo. Por outro lado, as noites são cada vez maiores aumentando o período de arrefecimento e logo diminui a concentração da água.
Por isso, chega-se a moirar a 17-18 º Bé, sendo vantajoso para os talhos, uma vez que equilibra a solução muito carregada de sais de magnésio. O sal continua a depositar-se mas já sob a forma de pequenos sais e escamas.
 O bom funcionamento dos talhos começa a ser perturbado devido aos centros de cristalização que se vão formando à superfície sob a forma de película. Procede-se então à destruição dessa película com o rodo, a que o marnoteiro chama “apagar labor”

A Tirada do Sal

Depois do sal fabricado era necessário transportá-lo até à serra, que se fazia com as canastra de 56 litros à cabeça, a esta operação designa-se “tirada do sal”, da marinha até à serra ou monte.
O sal era colocado em cima das barachas (operação de embarachar) e depois os carregadores transportavam em canastras à cabeça para a Serra. As canastras eram enchidas pelo amoiador, também designado “punhos reais”. Na década de 60 começou a utilizar-se uns carrinhos de mão para transportar o sal.
 Da serra o sal é levado para dentro do barco, é a designada “carregação”; finalmente o transporte do sal até ao porão do navio (vapor) de Alcochete até Lisboa.

 Em meados do século XX, as marinhas que tinham acesso por terra, o sal começou a ser transportado por camionetas, nas outras por barcos. Há marinhas cujo acesso é dificultado, devido ao assoreamento dos rios que as servem. Segundo Charles Lepierre, em 1933, da serra o sal ia em camionetas até ao barco em Alcochete, ou directamente da marinha para o barco, colocado no barco com auxílio de pranchas; isto no caso das marinhas de fácil acesso pelo rio.  Segundo o mesmo autor, os produtores da região de Alcochete consideram a salicultura uma indústria pobre, porque as despesas desde a produção ao transporte são muito elevadas.

Conservação do Sal

O sal é conservado nas eiras em “serras”, formadas pelo sal das várias rasas. A serra tem uma forma prismática. Refere Alcoforado que tem a forma de uma quilha voltada e segundo Charles Lepierre “ou mais simplesmente em forma de telhado de quatro águas”
Para construir a serra começa-se pela primeira rasa tirada no início de Agosto. A 2º rasa é colocada contra a primeira, de cada lado e à mesma altura. Finalmente a 3ª rasa aplica-se também de cada lado contra a 2ª.
 O operário que faz a Serra é o serreiro.
 Depois de todo o sal colocado na serra e de apajar as serras, são cobertas com junco e palha-carga (também chamada palha de paul). O sal fica protegido da acção da chuva do Inverno que se aproxima. O sal na serra perde algum do seu peso inicial, mas fica privado de sais de magnésio.
 Assim se explica que o número de canastras para perfazer um moio, quando carregado das barachas até à Serra fosse constituído por 15 canastras e da Serra par o barco, o moio era constituído por 18 canastras, 3 canastras a mais para as “quebras”

Alagamento

O alagamento da marinha dá-se no fim da safra, ou seja depois da última rapação. Quando as primeiras chuvas de Setembro tornam a cristalização impossível, os marnoteiros metem nas salinas uma camada de água salgada de 60 cm de altura, sem lhes escoar as águas-mães do verão antecedente; a marinha fica assim até princípio de Maio.
  Esta operação tem lugar depois, das primeiras chuvas de Setembro em que o marnoteiro, sem evacuar, para o Tejo, as águas mães da última cristalização introduz pouco a pouco nos talhos a água concentrada que se encontra nos compartimentos anteriores. Caso a água existente na marinha não for suficiente utiliza-se a água do viveiro, em dia de maré viva, chegando aos talhos com uma concentração de 8 a 10º Bé e deixando a marinha toda alagada. A água atinge uma altura de 50 a 60 cm e tem por objectivo proteger a marinha dos rigores do Inverno. Segundo o inquérito ao salgado de Alcochete, realizado em 1954, por Luís A. Lopes Dias, a água atinge uma altura de 30 a 40 cm. Refere o mesmo autor que “com esta forma de alagamento, as limpezas são bastante atenuadas e o cozimento fica mais protegido, pois não se depositam imediatamente lamas sobre ele.

 Nas marinhas de Alcochete há ainda a distinguir os dois tipos de alagamento: o normal e o de urgência. O alagamento normal refere-se ao que acabamos de descrever – no fim da última rapação, fim de Setembro, princípio de Outubro, quando as condições climatéricas já não permitem uma nova colheita, procede-se o alagamento progressivo da marinha. 
 O alagamento de urgência é motivado pela chegada das chuvas abundantes, imprevistas. Assim a marinha é rapidamente alagada para evitar males maiores.
 A altura da água do alagamento nos talhos deve manter-se mais ou menos constante, escoando ou dando água à marinha, conforme a necessidade. Os restantes compartimentos são também alagados, excepto o viveiro e a reserva que ficam em seco e com as portas abertas para o esteiro, impedindo-se desta forma a formação de limos. Assim fica a marinha durante todo o Inverno até Março, altura em que se inicia o novo ciclo de produção com os trabalhos preparatórios para a produção do sal.

Fonte:  Maria Dulce de Oliveira Marques – Dissertação de Mestrado –“O Salgado de Alcochete”