27 junho 2006

Alcochete e o Santo Oficio

Talvez a mais negra mancha da história da Humanidade entrou-nos portas dentro. Numa localidade onde todos pensamos estar seguros e que tudo de mal apenas acontece aos outros, a História mostra-nos o contrário. Deixo-vos o testemunho histórico, sem querer fazer qualquer valor de juízo à Igreja, do que se pode encontrar na Torre do Tombo, sobre o Santo Oficio.

Estes processos são os sumários de arquivo de naturais e moradores de Alcochete dos séc XVI, XVII e XVIII, com processos no Tribunal do Santo Oficio.


Processo de Fernão Cardoso: Cristão-Novo

12/02/1558-15/05/1558 Tribunal do Santo Ofício, Inquisição de Lisboa,
proc. 5766
Crime/Acusação: Judaísmo
Estatuto Profissional: Mercador
Naturalidade: Alcochete
Morada: Lisboa
Pai: Bento Cardoso Mãe: Isable Fernandes
Estado Civil: Casado
Nome do Cônjuge: Leonor Henriques
Data da Prisão: 12/02/1558
Data da Sentença: [15]/05/1558
Data do Auto de Fé: [15]/05/1558
Outros Dados: O RÉU FOI A AUTO-DE-FE NA RIBEIRA DE LISBOA; APRESENTOU PETIÇÕES:
1) PARA LHE COMUTAREM A PENITÊNCIA PARA O BAIRRO (DEFERIDA)
PARA SER SOLTO E LHE TIRAREM O HÁBITO PENITENCIAL (DEFERIDA); PARENTES PRESOS: A MULHER, LEONOR HENRIQUES (FALECEU NOS CÁRCERES DA INQ.) E O PARENTE DINIS MENDES; 24 FLS., M.C., MANCHADO


Cristão-novo, acusado(a) de Judaísmo, com a profissão de Mercador, natural de Alcochete, morador em Lisboa, de 40 anos de idade, filho de Bento Cardoso e de Isabel Fernandes, Casado com Leonor Henriques. Sentença: Abjuração em forma; cárcere e hábito perpétuo.

Processo de Matias Pereira
Tribunal do Santo Ofício, Inquisição de Lisboa, proc. 83
08/08/1671
Frei, acusado(a) de Solicitação, com a profissão de Religioso da Ordem do Ermita de Stº. Agostinho; sacerdote; pregador, natural de Alcochete, morador em Convento de N. Snr.ª da Graça, Lisboa, de 50 anos de idade, filho de Manuel Pereira de Faria e de D. Maria Correia, Sentença: em 08/10/1671, Abjuração de leve; privado de voz activa e passiva e do poder de confessar; 5 anos de suspensão das ordens; 10 anos de reclusão no Convento de Penafirme



Processo de Manuel Fernandes
26/06/1543
Tribunal do Santo Ofício, Inquisição de Lisboa, proc. 6207
Cristão-novo, acusado(a) de Participar na fuga de um preso do Santo Ofício; impedir o recto ministério do Santo Ofício, com a profissão de Escrivão, morador em Alcochete, Sentença: Não se provou a participação na fuga.

Processo de Pedro [Pero] Corte Real
22/12/1536-27/7/1543
Tribunal do Santo Ofício, Inquisição de Lisboa, proc. 8723
Acusado de Luteranismo e posse de livros proibidos, é fidalgo da Casa d`El Rei, morador em Alcochete, também possuí habitação Lisboa, à Madalena, é viúvo de Isabel de Novais, foi preso nos cárceres de Lisboa, tendo sido sentenciado em Auto de Fé, no dia 26 de Março de 1542, com as sentenças de ir ao Auto de Fé, onde abjure em forma os seus erros heréticos, tenha cárcere por um período de cinco anos num mosteiro que lhe convenha, pague as custa e trezentos cruzados anuais para obras pias. A 25 de Outubro de 1542 pede revisão de sentença tendo-lhe sido concedido um dia semanal para sair do cárcere.

Processo de Jacinto Ferreira
12/9/1758-8/3/1759
Tribunal do Santo Ofício, Inquisição de Lisboa, proc. 8907
Acusado de Judaísmo, é oficial de cabeleireiro, natural de Alcochete e morador em Lisboa, junto ao Pombal, freguesia de Santa Isabel, tem 15 anos de idade e por ser menor de 25 foi-lhe nomeado Curador o Pe. Clemente Xavier do Santos, Capelão dos Cárceres desta Inquisição, filho de António Ferreira Dourado, homem de negócio, e de Filipa Joaquina, natural de Santarém, que o seu avô materno se chamava Cristóvão da Costa, é solteiro, tendo sido sentenciado em Mesa, no dia 02 de Março de 1759, com as sentenças de abjuração em forma dos seus erros heréticos, tenha penas e penitências espirituais, instrução na Fé e pague as custas. Foi solto a 08 de Março de 1759

Processo de Henrique Valente de Oliveira
17/8/1655-10/1/1658
Tribunal do Santo Ofício, Inquisição de Lisboa, proc. 10646
Acusado de impressão clandestina, é impressor de livros, natural de Alcochete e morador em Lisboa, tem 35 anos de idade, pouco mais ou menos, filho de Manuel Nunes da Costa e de Brites Valente, naturais de Alcochete, é solteiro, tendo sido sentenciado em Auto de Fé, no dia 19 de Novembro de 1657.

09 junho 2006

Nossa Senhora da Vida


Edifício emblemático da frente ribeirinha de Alcochete, a Capela de Nossa Senhora da Vida destaca-se pela sua localização geográfica, praticamente em cunha sobre o rio Tejo, formando um dos vértices da vila.
A sua importância, porém, é também histórica, na medida em que está associada ao Hospital da Misericórdia local, uma das mais importantes instituições alcochetanas ao longo da época moderna.Em 1553, como refere um visitador da Ordem de Santiago, esse hospital já existia e possuía uma pequena capela, "de alvenaria, com um altar também de alvenaria, e sobre ele havia um retábulo de papel grudado em tábua, com um crucifixo e outras imagens de papel. O Espírito Santo estava pintado com os Apóstolos" (ESTEVAM, 1956, p.93).
Tendo em conta que a Misericórdia da Vila foi instituída pelos meados do século, e que o seu templo principal estaria concluído por volta de 1563, tudo indica que o Hospital tenha sido uma das primeiras obras da Irmandade, dando assim pleno sentido à sua própria existência de assistência aos mais necessitados.
O templo que hoje vemos não corresponde àquela descrição do visitador, nem é seguro que se tenha edificado no mesmo local. Com efeito, pouco tempo depois daquela visita, por volta de 1577, D. Afonso Garcia de Figueiredo e sua mulher, Júlia de Carvalho, determinaram a construção deste monumento, dedicado ao Espírito Santo, tendo-se feito sepultar nele, em campa rasa diante do altar-mor. Estamos ainda muito mal informados acerca destes dois nobres, bem como das motivações que presidiram à sua vontade. Em todo o caso, a construção deste pequeno templo não pode dissociar-se das obras que a Misericórdia alcochetana então fomentava.De acordo com algumas informações que necessitam ainda de uma confirmação documental, o arquitecto da obra terá sido o mesmo que esteve envolvido na edificação do templo da Misericórdia, o enigmático Fernão Fidalgo. Os paralelos entre as duas obras foram recentemente colocados em evidência por Vítor Serrão, que realçou a semelhança das naves quadradas, a utilização de cúpulas semi-esféricas nas respectivas capelas-mores, o recurso a "portadas rusticadas de tradição clássica", com aduelas rectangulares de desenvolvido almofadado, e a presença de capitéis de tradição jónica (SERRÃO, 2002, p.216). Por esta breve caracterização, há que forçosamente colocar este templo numa tipologia tardo-renascentista erudita, que tem os seus mais directos antecedentes nas soluções italianizantes que melhor singularizam a nossa produção arquitectónica quinhentista. De planta longitudinal composta por nave rectangular e capela-mor quadrangular, o interior exibe algumas obras rococó de relevância regional. Todo o espaço é percorrido por um silhar de azulejos, datável da segunda metade do século XVIII. A zona central, figurativa, é envolvida por uma moldura polícroma, de contornos irregulares, e cujos elementos concheados adquirem uma expressão muito gráfica. As representações alusivas a episódios da vida de Nossa Senhora, conservam a tonalidade azul e branca, que marcou o período barroco, e são complementadas pelas cartelas superiores e inferiores. As primeiras exibem inscrições referentes à cena ilustrada, e as segundas associam aos temas representados alguns símbolos marianos das litanias, como a rosa sem espinhos, o sol e a lua, entre outros, que reforçam a ideia de pureza e ausência de pecado original. Os retábulos, polícromos e de desenho diferenciado, desenvolvem uma linguagem que denota a influência do neoclassicismo, mais evidente ao nível dos retábulos colaterais. O retábulo-mor, que ocupa a parede fundeira da capela-mor, apresenta tribuna flanqueada por duas colunas, e ático com aletas, coroado por frontão curvo. Num plano ligeiramente mais recuado, e ladeando a estrutura central, abrem-se duas portas, no primeiro registo, a que se sobrepõem os nichos, de remate recortado, que se eleva até ao nível do entablamento da tribuna.


Fotos - Vista area

- Vista do Rio

Fonte: IPPAR

07 junho 2006

Perda e Restauração do Concelho - Conclusão

Finalmente Nosso...

A 15 de Janeiro de 1898 é publicado, no Diário do governo, o Decreto que restaura 51 Concelhos, entre os quais o de Alcochete.

“(...)attendendo ás convenientes informações officiais e tendo em vista conciliar quanto possível as commodidades dos povos com superiores interesses da administração do estado(...)”.

O Século de dia 16 de Janeiro escrevia : “ Indescritível alegria d´este povo pela sua autonomia. As manifestações são geraes e ouvem-se muito vivas ao sr. José Luciano, assim como a todos que se interessaram por tão justa causa. (...) O caes está embandeirado para receber o vapor com todos os grandes influentes. A musica toca hymnos expressamente feitos para este dia pelos nossos amigos Baptista Nunes e Martineau. (...)”

A 25 de Janeiro foram eleitos, o Presidente D. António Luís Pereira Coutinho, o Vice-Presidente, José Luís da Cruz e os restantes vogais. Com a festa passada era necessário colocar mãos à obra de novo. De modo a fazer retornar tudo o que era do Município de direito, apresentou-se D. António Luís Pereira Coutinho em Aldegalega, com a missão de trazer para Alcochete os bens e arquivos do concelho restaurado.
Este acto originou um dos episódios mais marcantes do Processo de Restauração.

Conta Luís Santos Nunes in “O Concelho de Alcochete”

“(...) manifestação impar nos anais da nossa história, sem uma só defecção, o esperaram no limite do concelho, abaixo do convento de S. Francisco, nesse inesquecível dia de 30 de Janeiro de 1898, e em delirante triunfo, desatrelando os cavalos e puxando eles próprios o carro, o conduziram até Alcochete, com os documentos e títulos do arquivo camarário, que ele próprio fora buscar à sede do concelho de Aldegalega”.


Não consigo deixar de transcrever um excerto de um texto do Dr. Grilo, sobre este tema. O titulo do texto “Para os alcochetanos” e podem-no encontrar na sua totalidade aqui no Blog “Praia dos Moinhos”, e aproveito para desde já pedir perdão pelo “roubo” do link.

"Eram às dezenas, às centenas, talvez aos milhares, de toda a parte, cruzando-se e reeruzando-se, estalando ensurdecedoramente. A população do Concelho secundou a da Vila com o mesmo entusiasmo. Chorava-se de satisfação. Chorava-se de alegria. Nas ruas pejadas de gente, abraçavam-se uns aos outros. A filarmónica, reunida à pressa, percorreu as ruas da vila, no meio de muito povo, de muitos vivas, de muito fogo, tocando o «Hino da Restauração» esse Hino que um alcochetano compôs, (João Baptista Nunes Júnior) e que todos nós alcochetanos sabemos cantar e sentir. Ia, enfim, soar a hora da libertação!"

Fontes: "Memorias de um Concelho" e Blog "Praia dos Moinhos"


01 junho 2006

Perda e Restauração do Concelho - Parte 5

A revolta

A revolta pela dependência Administrativa, era alimentada por pequenos folhetos e pela publicação de artigos em jornais como “O Século”. A criação do “Echo d´Alcochete” por João Baptista, ilustra bem esta necessidade de afirmação e de insubmissão.

"A suppressão do concelho de Alcochete

Esbanjamentos

O anno de 1895 foi dos mais ridentes para Alcochete e outras villas que, como esta, foram apunhaladas por esses sentido com que se praticam actos de revoltantes com o nome de medidas económicas; e que o sejam ou não, custa-nos comprehender como, com tanta facilidade e tão pouca cordura, se executam acções d´esta ordem que só podem perturbar a união d um povo pacifico, que só podem mostrar o escândalo ás claras, e a corrupção que germina nesses cérebros esphacelados e desmoronados que á beira do precipício em que se acham, não vacillam em desafiar um contendor!
Triste, profusamente triste e desolador, o aspecto dessa farçada que se representou com todos os personagens d´uma comedia de summa importância em que fuguraram, desde o galan ao vegete, desde o cómico ao cynico!... Não lhes podemos render maiores elogios.
Ao povo, aos patrícios, um viva porque souberam conhecer o seu logar, voltando as costas a esse espectáculo nefando e indecente, pulha e deshonroso, para quem se incumbe de os proporcionar.
A attitude do nosso povo valoroso, repetimos novamente, devia pelo menos infundir n´esses palhaços qual o despreso que nos merecem.
Para que se trata d´estes assumptos, invadindo com tropa uma povoação paciente e cheia de resignação? Será para atemorisar e horrorisar com esses fardamentos essas armas que merecem toda a consideração e respeito quando pregadas em defeza do paiz ou em caso de resistência, mas nunca para servir de affronta a um povo extremamente enluctado e sacrificado por essa machina horripilante inventada para soffrimento d´esse povo que procura allivio brotando lágrimas e copiosos prantos, próprios d´aqules que sentem girar nas veias o sangue da sua pátria?
Não condemnando totalmente as medidas adoptadas pelo nosso governo, cumpre-nos perguntar ainda se o processo para extinguir um concelho é tornar a frontaria da camara e administração, que outr´ora mereciam toda attenção, n´uma verdadeira feira da ladra, fazendo da mobília e outros utensílios dos referidos edifícios o objecto da sua ferocidade com todos os requintes de malvadez.
Não nos parece esta a melhor forma de se desempenhar essa missão ou antes o caminho mais seguro e menos perigoso para chegar ao fim a que se destina.
O quadro d´El-Rei D. Luiz, também não escapou á acção d´esses maltrapilhos, pois foi lançado da janella da câmara como Miguel Vasconcellos, o traidor da pátria pelos confederados por occasião da revolução de 1640. (...)

João Baptista Nunes Júnior, Echo d´Alcochete - Anno I, nº 1, 5 de Janeiro de 1895
Fonte: Memórias de um Concelho