21 abril 2014

O Sal - Parte 7



Vida dos Salineiros

Os trabalhadores das marinhas do salgado de Alcochete designados por salineiros, normalmente, iniciavam a sua actividade nas marinhas muito novos por volta dos 9/10 anos ou depois de concluírem a escola primária, aos 12 anos. Muitos não iam à escola e logo que se pressentia alguma robustez física, mesmo ainda crianças eram iniciados nos trabalhos das marinhas. Aos nove anos a sua função era de apoio aos trabalhadores, transportando a água para servir os que trabalhavam debaixo do sol escaldante – eram conhecidos pelos aguadeiros. 

Alguns iniciaram a sua vida nas marinhas, aos 6 anos, acompanhando os seus pais e desempenhando a mesma função de aguadeiro. Assim nos relatou um salineiro que aos 6 anos começou a acompanhar o pai, mestre da marinha, como aguadeiro. Nas marinhas executou vários tipos de trabalhos, chegou a ser “punhos reais”. Trabalhou em várias marinhas até ao momento em que deixou o trabalho das marinhas para ir trabalhar para a Firestone (fábrica de pneus), nos anos 60. No entanto, nunca se esqueceu das marinhas e depois de se reformar voltou a dedicar-se à salicultura, ajudando nos trabalhos de limpeza e, na altura da colheita, quando era necessário bastante mão de obra para “rer” o sal e tira-lo das barachas para a serra. (informante: Torcato Guerra).

Aqueles que iam à escola começavam a trabalhar quando concluíam a 4ª classe. Também nas marinhas iniciavam a sua actividade, deixavam de ser crianças muito cedo, quase desconhecendo o significado de brincar. Depois de um dia duro de trabalho, não havia muito tempo para a brincadeira e o cansaço era grande.

 Assim aconteceu com o Sr. Manuel Nicolau que aos 13 anos e feito o exame da 4ª classe, começou a trabalhar nas marinhas. A primeira marinha onde trabalhou foi na Gema – Cova pertencente a D. Mariana Gonçalves, que em 1952 passa a integrar as salinas da Fundação João Gonçalves Júnior. Sempre trabalhou nestas marinhas. ( informante: Sr. Manuel Nicolau)
O Sr. Manuel Nicolau aprendeu a “arte de salineiro” com o pai, actividade que mantém até hoje, aos 85 anos. Conhece bem as marinhas e os processos de feitura do sal. Nas marinhas executou todo o tipo de trabalhos. A sua sensibilidade e capacidade de observação aliada ao seu porte robusto, tornou-o marnoteiro, o mestre das marinhas de D. Mariana Gonçalves, função que continua a desempenhar na Marinha do Brito. Enquanto Mestre da marinha, vai ensinando aos mais novos que trabalham sob as suas ordens a “arte de salineiro”, transmitindo o seu saber obtido pela experiência acumulada durante 70 anos, para que se mantenha viva uma arte que ameaça extinguir-se. Amanhar as marinhas é uma tarefa que só alguns sabem fazer, por isso é preciso em primeiro lugar ensinar a observar, para depois poder estar apto a executar todos os trabalhos, com a perícia e destreza necessária até à feitura do sal: Limpeza das marinhas, circulação da água até às caldeiras de moirar e depois para os talhos, até à obtenção dos cristais de sal. Finalmente a tirada do sal e o carrego até à Serra. A feitura da Serra também não é tarefa fácil, é preciso saber como se vai colocando o sal por camadas, uma vez que as camadas que se vão sobrepondo até construir a serra são feitas de diferentes tipos de sal.

 Conforme descreve o Sr. Manuel Nicolau, a maioria das famílias de Alcochete viviam da produção do sal, como assalariados. A aprendizagem fazia-se em tenra idade e era transmitida de pais para filhos, pois já os seus bisavôs, avós e pais tinham aprendido a “arte de salineiro”.

 Na primavera iniciavam-se os trabalhos de limpeza das marinhas e no verão a actividade intensificava-se com a safra do sal, exigindo grande quantidade de mão-de-obra. No Inverno o salineiro dedicava-se à agricultura e ao “descarrego” do carvão no Porto de Lisboa, actividade que o Sr. Manuel Nicolau também exerceu.

Conforme refere em 1950, José Estevam, “O trabalhador de Alcochete entrega-se no verão ao serviço das marinhas e, pelo ano fora, na descarga do carvão. Antes da descarga empregava-se, além do serviço do sal e dos barcos, a cortar mato na charneca (…). Sem queda para o negócio ou para a indústria, que requer espírito de poupança, sabendo ou não ler e escrever, otrabalhador nada mais faz que tratar do sal e acarretar carvão, mesteres em que labuta desde menino e moço, sem embargo de se adaptar a outro serviço, pela faculdade mui apreciável de assimilação ou apropriação a qualquer labor.”

 O marnoteiro (Sr. Manuel Nicolau) refere ainda que, a vida não era fácil e o trabalho nas marinhas era muito duro. Daí que durante a safra os trabalhadores procuravam animar o trabalho e o carrego do sal para a Serra com “ O conto do sal”, que consistia em entoar em voz alta em forma de pregão o número de canastra que se erguia para a cabeça do carregador. Este cantava então: “esta é a primeira”, “aí vão duas”, “aí vão três”, “aí vão quatro” e assim sucessivamente até ao número 14 e entoavam “a véspera do moio!”, pois as 15 canastras perfaziam o moio. Depois iniciavam novamente o conto.
 Refere o Sr. Nicolau notando-se alguma nostalgia no seu timbre de voz: “ estes eram tempos em que dava gosto olhar para as marinhas todas cobertas de sal até perder de vista”.

 Ainda nos finais dos anos 80 era normal os jovens durante as férias escolares no verão irem trabalhar nas  marinhas, ganhando um pequeno salário que lhes permitia comprar alguns objectos pessoais.
Os trabalhadores da marinhas encontraram uma forma de ocupar o seu tempo nas horas de descanso - descobrindo uma arte que se revelou na construção de miniaturas de barcos, de formas para pães de sal. Mas evidencia a sua capacidade para aproveitar os instrumentos já gastos e dar-lhe formas ao seu gosto, associando a funcionalidade à arte. 
Os barquinhos eram feitos pelos “criados das marinhas” que cheios de paciência enchiam a “tábua superior de desenhos , de números, de iniciais, de nomes, de datas, V.V.Fx:, B. do J.S., 380, 499, 314, Carlos roque, 16 de Julho de 1910; uma casa desenhada a traço simples; barcos de duas velas, como a fragata do Tejo, duas letras, L.P., entre figuras de sino-saimão; toda uma arte infantil de ganhões, analfabetos, que aproveitavam o descanso da sesta, dando que fazer à navalha  que acabou de recortar o pão e o queijo da refeição frugal.”

Os mestre das marinhas revelam uma arte mais sofisticada, dedicando-se à construção de pequenas caixinhas todas trabalhadas “formas de sal fino, em que se manifesta a arte do sal, popular especial, exercida pelos marnoteiros e por algum criado de mais alta graduação.
È costume velho, o mestre aproveitar o primeiro sal fino que recolhe para fazer os pãezinhos em formas de paralelepípedos, os quais depois oferece seja aos patrões, seja ás pessoas por quem tem amizade ou consideração. Este sal fino, colhe-se nas cabeças dos caldeirões de moirar e nas dos talhos”. (…) Um dia o mestre imaginou que, lavrando em covos as réguas laterais, ficariam figuras em relevo sobre as paredes do pão de sal, adornando-o, e, sobre pedaços de azinho tirados aos rodos velhos, foi abrindo à navalha tudo quanto a sua limitada fantasia lhe inspirava.”
Por isso, segundo Mário de Sá, as caixas são todas diferentes na decoração, cada caixa trata um assunto, umas apresentam motivos naturalistas, alusivos à terra e à água, motivos sagrados e profanos ( cabeças de touros, flores e plantas de vários géneros, caranguejos, ferros dos lavradores de Alcochete de casa agrícolas, como o ferro dos condes de Cabral; do lavrador Joaquim Pedro de Oliveira, da Sociedade Agrícola e produtora de sal, da Casa do Pancas e dos Irmãos de Oliveira)”.
 “Assim, começou sabe-se lá quando, a arte no sal, uma arte popular, ingénua, sem preocupações, influenciada por um restrito campo de observação, o de salineiro cuja vida se passa mais junto á água dos caldeirões, do que no povoado, com imagens tiradas da Terra  e da água, dos moinhos, dos barcos, dos animais, das plantas e dos objectos por vezes estranhos.”

Fonte: Maria Dulce de Oliveira Marques – Dissertação de Mestrado –“O Salgado de Alcochete”


Foto: Junta Freguesia de Alcochete 

O Sal - Parte 6

Mão de Obra
~
Ao nível da mão-de-obra utilizada no trabalho das salinas, verifica-se que, em 1790 o salgado de Setúbal e de Lisboa desempenhava um papel económico importante na região, uma vez que os recursos humanos utilizados na salicultura, eram bastante significativos. Em Lisboa trabalhavam nas salinas 1.860 obreiros e em Setúbal 1.760, (Quadro 2 do cap. 1, Lacerda Lobo) o que significa que a indústria do sal representava uma fonte de rendimento para as famílias locais. A par da agricultura, esta seria a indústria que empregava mais mão-de-obra na região, especialmente na margem sul do Tejo. Por outro lado, o comércio do sal, quer nos mercados nacionais quer externos, constituía uma mais valia para o desenvolvimento económico da região, sendo rentável para os comerciantes deste produto e para os proprietários. 
Em 1932 o pessoal empregado na salícultura, na margem esquerda do Tejo regulava 1.300 operários. Alcochete empregava 600 trabalhadores; Vasa-Sacos 150; Montijo 200; Moita e rosário 200 e Barreiro.
Conforme se pode inferir deste dados, a indústria salineira nesta altura era de longe a mais intensa desta região, o que vem corroborar a alta produtividade das salinas, como já se explicitou

Os proprietários

O sal, as marinhas que desde há séculos marcam a paisagem alcochetana, reflecte-se também na vida das famílias que cresceram em torno de actividade salineira. Por razões diferentes mas todos eles dependiam desta indústria: uns proprietários e senhores da marinhas, outros laborando de sol a sol para que a colheita fosse boa e o sal da melhor qualidade para o comércio. Trabalho duro e árduo mas todos tinham orgulho no sal das suas marinhas. 
 Em Alcochete a indústria salineira, foi desde que há memória, e a documentação assim o atesta, a principal forma de vida e fonte de rendimento da comunidade alcochetana. A produção de sal e o seu comércio, influenciaram o desenvolvimento social e económico da região, cuja delimitação do próprio território revela as marcas de uma cultura ligada à actividade salineira. O território foi-se construindo /reconstruindo e reestruturando a par da indústria salineira que ao longo dos séculos cada vez mais se foi implantando na paisagem, provocando um articulação, quase uma aliança, entre o rio, a terra e as gentes.
 Esta intimidade com o rio prolonga-se no espaço, nas vivências sociais e nas manifestações culturais, um misto entre o profano e o religioso. 
 O tecido social foi-se estruturando em torno do desenvolvimento da salicultura e da agricultura, actividades fundamentais na economia local. As famílias abastadas eram as detentoras da propriedade, uma vez que a posse de salinas implicava ter capacidade económica para construir salinas e para suportar todos os custos com a produção e conservação. 

 Grande parte da população trabalhava para os proprietários, quando estes faziam exploração directa, ou trabalhavam para os seus rendeiros que exploravam as salinas. Também estes rendeiros tinham de possuir alguma capacidade económica para suportar todas as despesas com a produção.). Em 1932 o pessoal empregado na salicultura, na margem esquerda do Tejo regulava 1.300 operários. Alcochete empregava 600 trabalhadores; Vasa-Sacos 150; Montijo 200; Moita e Rosário 200 e Barreiro .




































Fonte : Maria Dulce de Oliveira Marques – Dissertação de Mestrado –“O Salgado de Alcochete”

O Sal - Parte 5



Em 1954, o salgado de Alcochete era composto por  61 marinhas de cabeceira e 33 de corredores. Na região de Alcochete-Samouco predominavam as marinhas de cabeceiras, apresentando 51 marinhas deste tipo e 16 de corredores; no rio das Enguias existiam 10 marinhas de cabeceiras e 15 de corredores e na região de Vasa-Sacos as duas marinhas aí existentes são também de corredores. 
 Assim, dentro do mesmo salgado existem diferentes tipologias de marinhas, que por isso vão determinar os processos da feitura do sal, o tipo de sal que se produz e a qualidade do mesmo. A própria actividade dos salineiros é marcada pelo tipo de marinha em que está a trabalhar, embora no essencial estejam sujeitos aos mesmos princípios.

As marinhas grandes são as de corredores, embora também se encontrem marinhas pequenas deste tipo.
 As marinhas de cabeceira são geralmente mais pequenas do que as outras, apresentando um traçado irregular e a maioria não ultrapassa as 500 toneladas de produção. Esta tipologia corresponderá à concepção das marinhas mais antigas de Alcochete, o que lhes confere, pelo seu traçado, uma especificidade relativamente aos outros salgados, nomeadamente da região de Lisboa. Da análise da documentação tudo indica  que as marinhas de cabeceira terão sido as primeiras a construírem-se em Alcochete, uma vez que Lacerda lobo, na sua obra Marinhas de Portugal refere que “as marinhas que ficam a sul do Tejo situadas nos extremos de Alcochete, Aldeia Galega, Moita e Alhos Vedros, todas têm 5 ordens de reservatórios (exceptuando as da ribeira do batel) chamados pelos marnoteiros, viveiros, caldeirões, caldeiras, cabeceiras e talhos. São formadas por um terreno ordinariamente apertado o que influi muito na bondade das marinhas, sendo melhores aquelas, que têm endurecido o fundo dos talhos onde se faz a cristalização.”
Parece que este tipo de solo, a que se refere é o casco ou traste, que em 1877 Alcoforado, refere nos seus trabalhos sobre as características do solo das marinhas dos vários salgados. Porém, Lacerda Lobo, nada adianta sobre esta matéria.
Quanto à tipologia da marinha a ordem e número de reservatórios, bem como a designação, integra-se no essencial na tipologia das marinhas de “cabeceira”.

Amanho

  Em Março/Abril, iniciam-se os trabalhos de preparação da nova safra: trabalhos de limpezada
marinha, escoam-se as águas e fazem-se as reparações (consertos) dos possíveis estragos causados pelo Inverno. 
 A limpeza dos vários compartimentos é feita segundo a ordem em que se dispõe na marinha, até chegar aos talhos, conforme ser referiu a propósito da descrição da marinha.
 Desta forma, primeiro procede-se à limpeza do viveiro, feita com pás e rodos e cortam-se as moitas dos respectivos muros. Em princípios de Abril mete-se água no viveiro.
 A reserva também é limpa da vegetação e lamas, corrigindo-se a superfície. Os trabalhos são feitos com o rodo.
 Seguidamente faz-se a limpeza dos terceiros caldeirões e contra-caldeirões, depois de passar a água para a reserva e caldeirões. As barachas são também arranjadas utilizando três tipos de pás- Pá de pejo, pá de valar e pá ferrada.  Quando já estão limpos a água regressa aqueles compartimentos.  Finalmente faz-se a limpeza dos caldeirões. Estes, depois de limpos ficam em seco, dois a três dias, para “curar” sendo novamente cheios com a água dos terceiros e contra caldeirões, com uma concentração de 10 a 16º Bé
 Depois de executados todos estes trabalhos, procede-se ao “descarrego” da marinha, sendo a água de alagamento, com uma concentração de 14 a 17º Bé, distribuída por todos os compartimentos da marinha que  foram cuidadosamente limpos. Esta operação é feita com recurso ao bombeiro ou engenho. Finalmente faz-se a limpeza dos talhos, que estavam alagados, assim como o seu nivelamento. Estas operações, têm a designação de “deitas”, no salgado de Alcochete.
 Estes trabalhos “deitas” devem ser feitos com muito cuidado de modo a não rasgar o feltro da talharia (ou cozimento) e deve aproveitar-se a água salgada que durante o Inverno cobriu a marinha. No entanto, por vezes podem acontecer acidentes durante as deitas, tais como romper o feltro, com o rodo ou a constipação das marinhas. Ou seja quando a água de alagamento, atinge uma concentração muito elevada, há necessidade de a diluir. Se a diluição for feita bruscamente e com “água muito fresca” o cozimento pode sofrer danos irreparáveis.
 Terminados os trabalhos de arranjo e preparação dos talhos, deixam-se expostos ao sol durante dois a três dias, para melhor consolidação e para aquecimento (nas marinhas sem cozimento).
 No final das “deitas” a água da marinha possui já uma concentração elevada, podendo obter-se facilmente nos caldeirões ou cabeceiras (conforme o tipo de marinha) uma concentração de 25º Bé.

Feitura do Sal

Após os trabalhos anteriormente descritos, cuja finalidade é deixar a marinha completamente limpa e depois da água ter adquirido o grau de concentração necessário nos diversos reservatórios evaporatórios, o marnoteiro inicia as operações de feitura do sal:
 Primeiro moiram-se os talhos, que significa meter-lhes água das caldeiras de moirar. Ou seja, depois de secos e aquecidos, os talhos recebem a solução (água concentrada) a 25-26º Bé, das caldeiras de moirar, operação que se repete de dois em dois dias. A quantidade de água que entra nos talhos, deve ser suficiente para cobrir as “cabeças” (partes mais altas) dos talhos ficando com uma altura de solução de 2 a 4 cm. A cristalização começa rapidamente.

 Por sua vez os caldeirões (caldeiras nas marinhas pequenas), ou cabeceiras ficam com pouca água ou seja, ficam “de rastos” e estando já muito salgados, salgam ainda mais, pois ficamquase em seco durante um dia e expostos ao sol.
Por isso, recebem mais água concentrada a 18-20º Bé dos contra-caldeirões, atingindo rapidamente os 25º Bé, dado que já estavam salgados e aquecidos e a altura da água é muito pequena.
 Entretanto, daí a 3-5 dias as cabeças dos talhos, cobertas de sal, começam a descobrir, sendo necessários dar entrada de mais água, ficando novamente com uma altura de 3 a 5 cm. O marnoteiro quando observa o abatimento do talho, sabe que está na altura de dar entrada de mais água nos talhos. Para calcular a concentração de água o marnoteiro recorre ao pesa-sais. Até 1866 os marroteiros de Lisboa, “serviam-se de um ovo de galinha, como de aerómetro, para conhecer o estado de saturação das moiras; porque o peso específico daquele corpo faz uma pequena diferença para menor, comparando com a água do mar a 25 graus. Logo que o ovo boiava à tona do liquido, tinha adquirido a precisa graduação para entrar na talharia.”
 Refere o mesmo autor que “a partir de 1866 o Sr. Estevão António de Oliveira, abastado e inteligente proprietário das marinhas de Alcochete, começou a usar o aerómetro; e hoje este instrumento utilíssimo é conhecido e adoptado geralmente pelos marroteiros da capital”.
 Se o tempo for favorável, ou seja, tempo quente com ventos brandos dos quadrantes Norte e Oeste, a entrada da solução nos talhos, faz-se de dois em dois dias. A solução do descarrego, vai sendo consumida e a água do viveiro vai avançando, novamente até chegar aos talhos. A concentração nos conta-caldeiros e caldeiras vai diminuindo e passados 15 a 20 dias, não ultrapassa os 15º Bé. A água entra nos caldeirões ou cabeceiras com esta concentração, atingindo aí 25º Bé.

Passados 25 a 30 dias, a altura de sal nos talhos é de 2 a 3 cm, iniciando-se então a colheita do sal.
Alcoforado em 1877, refere que” passados 20 a 30 dias, isto é, no princípios de Agosto, está formada, madura, a primeira camada, que tem ordinariamente 0,06 m de espessura ( 6 cm). Esta primeira colheita chama-se raza, é rapada (tirada) com rodos, exactamente como em Setúbal, tendo-lhe previamente quebrado o lavor (crosta salina)”.

A rapação

No início de Agosto quando os talhos apresentam já uma altura de 2 a 3 cm de sal, inicia-se a colheita do sal, sem escoar as águas mães. A colheita, designada rapação, é feita com rodos, sendo feita com a maior ou menor facilidade, consoante a natureza do fundo do talho e a altura da camada de sal. A rapação inclui a lavagem nas águas mãe, excepto se a marinha produz sal apenas para a indústria. É de apreciar a perícia dos trabalhadores durante a rapação.
 Durante a rapação o sal é puxado para os lados dos talhos – operação de atravincar.
 Escorre durante algum tempo e é depois arrastado para cima das barachas, onde fica durante dois ou mais dias a secar, sendo depois transportado em canastras para as eiras. 
 Diz Alcoforado, “depois de escorrido o sal algum tempo sobre as barachas, é levado para as eiras, onde se acumula em grandes montes, a que os marroteiros do Lavradio, Alhos Vedros e Moita, dão a forma original de uma lancha voltada de quilha para o ar.”

 O número de rapação em cada safra varia entre 3 a 6, consoante o ano e se o tempo favorável permite o prolongamento da colheita durante o mês de Setembro.
 Anteriormenteriormente a “tirada” de sal das barachas para as eiras era uma tarefa muito violenta, por isso deveria ser feito por homens de força. 
À medida que a safra vai avançando as concentrações são cada vez menores. A água fornecida pelos caldeirões ou cabeceiras, consoante o tipo de marinha, é cada vez menos concentrada e por isso a camada de sal vai desaparecendo. Por outro lado, as noites são cada vez maiores aumentando o período de arrefecimento e logo diminui a concentração da água.
Por isso, chega-se a moirar a 17-18 º Bé, sendo vantajoso para os talhos, uma vez que equilibra a solução muito carregada de sais de magnésio. O sal continua a depositar-se mas já sob a forma de pequenos sais e escamas.
 O bom funcionamento dos talhos começa a ser perturbado devido aos centros de cristalização que se vão formando à superfície sob a forma de película. Procede-se então à destruição dessa película com o rodo, a que o marnoteiro chama “apagar labor”

A Tirada do Sal

Depois do sal fabricado era necessário transportá-lo até à serra, que se fazia com as canastra de 56 litros à cabeça, a esta operação designa-se “tirada do sal”, da marinha até à serra ou monte.
O sal era colocado em cima das barachas (operação de embarachar) e depois os carregadores transportavam em canastras à cabeça para a Serra. As canastras eram enchidas pelo amoiador, também designado “punhos reais”. Na década de 60 começou a utilizar-se uns carrinhos de mão para transportar o sal.
 Da serra o sal é levado para dentro do barco, é a designada “carregação”; finalmente o transporte do sal até ao porão do navio (vapor) de Alcochete até Lisboa.

 Em meados do século XX, as marinhas que tinham acesso por terra, o sal começou a ser transportado por camionetas, nas outras por barcos. Há marinhas cujo acesso é dificultado, devido ao assoreamento dos rios que as servem. Segundo Charles Lepierre, em 1933, da serra o sal ia em camionetas até ao barco em Alcochete, ou directamente da marinha para o barco, colocado no barco com auxílio de pranchas; isto no caso das marinhas de fácil acesso pelo rio.  Segundo o mesmo autor, os produtores da região de Alcochete consideram a salicultura uma indústria pobre, porque as despesas desde a produção ao transporte são muito elevadas.

Conservação do Sal

O sal é conservado nas eiras em “serras”, formadas pelo sal das várias rasas. A serra tem uma forma prismática. Refere Alcoforado que tem a forma de uma quilha voltada e segundo Charles Lepierre “ou mais simplesmente em forma de telhado de quatro águas”
Para construir a serra começa-se pela primeira rasa tirada no início de Agosto. A 2º rasa é colocada contra a primeira, de cada lado e à mesma altura. Finalmente a 3ª rasa aplica-se também de cada lado contra a 2ª.
 O operário que faz a Serra é o serreiro.
 Depois de todo o sal colocado na serra e de apajar as serras, são cobertas com junco e palha-carga (também chamada palha de paul). O sal fica protegido da acção da chuva do Inverno que se aproxima. O sal na serra perde algum do seu peso inicial, mas fica privado de sais de magnésio.
 Assim se explica que o número de canastras para perfazer um moio, quando carregado das barachas até à Serra fosse constituído por 15 canastras e da Serra par o barco, o moio era constituído por 18 canastras, 3 canastras a mais para as “quebras”

Alagamento

O alagamento da marinha dá-se no fim da safra, ou seja depois da última rapação. Quando as primeiras chuvas de Setembro tornam a cristalização impossível, os marnoteiros metem nas salinas uma camada de água salgada de 60 cm de altura, sem lhes escoar as águas-mães do verão antecedente; a marinha fica assim até princípio de Maio.
  Esta operação tem lugar depois, das primeiras chuvas de Setembro em que o marnoteiro, sem evacuar, para o Tejo, as águas mães da última cristalização introduz pouco a pouco nos talhos a água concentrada que se encontra nos compartimentos anteriores. Caso a água existente na marinha não for suficiente utiliza-se a água do viveiro, em dia de maré viva, chegando aos talhos com uma concentração de 8 a 10º Bé e deixando a marinha toda alagada. A água atinge uma altura de 50 a 60 cm e tem por objectivo proteger a marinha dos rigores do Inverno. Segundo o inquérito ao salgado de Alcochete, realizado em 1954, por Luís A. Lopes Dias, a água atinge uma altura de 30 a 40 cm. Refere o mesmo autor que “com esta forma de alagamento, as limpezas são bastante atenuadas e o cozimento fica mais protegido, pois não se depositam imediatamente lamas sobre ele.

 Nas marinhas de Alcochete há ainda a distinguir os dois tipos de alagamento: o normal e o de urgência. O alagamento normal refere-se ao que acabamos de descrever – no fim da última rapação, fim de Setembro, princípio de Outubro, quando as condições climatéricas já não permitem uma nova colheita, procede-se o alagamento progressivo da marinha. 
 O alagamento de urgência é motivado pela chegada das chuvas abundantes, imprevistas. Assim a marinha é rapidamente alagada para evitar males maiores.
 A altura da água do alagamento nos talhos deve manter-se mais ou menos constante, escoando ou dando água à marinha, conforme a necessidade. Os restantes compartimentos são também alagados, excepto o viveiro e a reserva que ficam em seco e com as portas abertas para o esteiro, impedindo-se desta forma a formação de limos. Assim fica a marinha durante todo o Inverno até Março, altura em que se inicia o novo ciclo de produção com os trabalhos preparatórios para a produção do sal.

Fonte:  Maria Dulce de Oliveira Marques – Dissertação de Mestrado –“O Salgado de Alcochete”



O Sal - Parte 4

 Em 1512 foram contadas 79 marinhas, com um total de 11 052 talhos, situadas tanto na ribeira da foz do Sabonha, como na ribeira de Aldeia Galega (Montijo) e que eram “foreiras ou davam o dizimo, à Ordem de Santiago” 

O salgado foi-se desenvolvendo ao longo dos séculos, sujeito às contingências do meio, tais como o solo, o clima a maior ou menor proximidade dos esteiros relativamente ao mar, que de certa forma determinaram técnicas e processo de exploração. Os recursos económicos e humanos existentes, marcaram também desenvolvimento da indústria salineira.  

Assim, nos finai do séc. XVIII e inicio do séc. XIX continua a surgir documentação relativa às salinas de Alcochete, tais como contratos de arrendamento, aforamentos, ou ainda relatórios das salinas onde são apresentados os proprietários ou arrendatários e a quantidade de sal que produzia. Estas referências provam que a exploração da salicultura, nesta região, foi-se desenvolvendo lentamente ao longo dos séculos anteriores, atingindo a sua maturidade nos finais do séc. XVIII, altura em que ganha projecção na região de Lisboa e a nível nacional.
 Nos finai do séc. XVIII, os trabalhos realizados por Lacerda Lobo, sobre o salgado português constituem também uma referência fundamental para conhecer estado de desenvolvimento da Indústria salineira em Alcochete, o tipo de solo das marinhas, os processos utilizados e a localização das marinhas. Aliás o autor, refere-se de forma indirecta à exploração salícola de Alcochete, a propósito  da construção das marinhas de Alvor e Vila nova de Portimão, no Algarve. Mandadas construir pelo infante D. Francisco em 1720, sob a responsabilidade do Mestre de marinhas, João Marques Ratinho, natural de Alcochete.

Posteriormente sucederam-lhe os filhos: Francisco Marques; Lourenço Marques e Manuel Marques, sendo ainda em 1790 o mestre das referidas marinhas um dos filhos.
O mestre Ratinho responsável pela criação desta marinhas levou para esta região, a sua experiência e conhecimentos sobre o amanho das marinhas e feitura do sal. Daí que, como o próprio autor refere, “ São estas Marinhas enquanto à ordem dos reservatórios, e manipulação do sal, em tudo semelhantes às de Alcochete.”
Esta referência prova que no início do séc. XVIII, a indústria salineira estaria bem enraizada em Alcochete. Assim, daqui saíam os “mestres” para ensinar a “arte” de amanhar as marinhas e os processos subjacentes à feitura do sal, nas regiões do país onde a indústria salineira era ainda incipiente. Por outro lado, poder-se-á também colocar a hipótese do mestre Ratinho e a família terem ido para a região do Algarve, pelo facto das marinhas de Alcochete, nesta altura, serem pouco rentáveis devido à baixa produtividade; facto que obrigou este produtor a investir noutras regiões onde as condições eram mais favoráveis à exploração salícola.

Relativamente ao século XIX, alguma documentação existente no arquivo distrital de Setúbal, permite esclarecer algumas questões sobre o salgado de Alcochete, nomeadamente quanto ao número de salinas, sua localização e respectivos proprietários, assim como quem eram os arrendatários. Porém, é escassa,  atendendo à importância que este salgado já em finais do séc. XVIII e especialmente no séc. XIX tinha na margem sul do Tejo. Muita documentação ou se perdeu ou estará por inventariar e dispersa em arquivos Municipais, ou outras instituições e famílias proprietárias ou arrendatárias de salinas.
Foi possível colmatar, em parte, esta lacuna para os finais do séc. XVIII, recorrendo-se a uma obra bastante importante para a história económica e social de Alcochete, que é a obra de Jacome Ratton, Recordações de Jacome Ratton…, escrita entre 1747 e 1810. Nela observa-se o estado de desenvolvimento de Alcochete, quer ao nível da agricultura, quer da salicultura, a ocupação do espaço em termos de população, as zonas cultivadas e incultas bem como a situação económica das populações que aqui habitavam. É, por isso, uma referência para Alcochete, na qual se encontram descritos espaços e situações, bem como todas as obras levadas a cabo por este empreendedor em vários locais. Tais foram os trabalhos de modernização implementados, nomeadamente na Barroca D`Alva que o rei D. José se lhe dirigiu nestes termos “ este é o nosso Ratton o grande cultivador da barroca d`Alva”
 O único rendimento da Barroca d´Alva, na altura em que Jacome Ratton a tomou de arrendamento decorria o ano de 1767, era uma marinha que se situava afastada do Tejo. Esta era uma marinha pequena e que se encontrava em mau estado de conservação, estando arrendada por 192.000 reis, “único rendimento de toda a barroca d`Alva para seu dono, e que se achavam hipotecados ao pagamento de uma divida, que sucessivamente ia crescendo pela acumulação dos juros, por estes excederem muito a dita quantia; divida que eu resgatei antes de me apossar da marinha para bemfeitorizar ao ponto de render dois mil mois de sal claro, um ano por outro, quando antes não passava de duzentos, e muito escuro, em razão dos muitos nascimentos de água doce, que ali havia; e que à força de pensar, e de dinheiro fiz desaparecer, cuja descoberta até então desconhecida tem sido depois aproveitada nas outras marinhas daqueles contornos. E como esta marinha é a mais distante de todas aquelas que recebem do Tejo a água das marés pelo rio das Enguias; e por isso neste sitio a sua água menos salgada em razão da doce que se lhe mistura; e observando eu ao mesmo tempo, que nos praimares das águas vivas, a doce, por mais leve se achava ao decima do salgada, construí o registo da entrada das águas nos viveiros, de modo que abrindo-se pouco antes das praiasmar, e fechando-se pouco mais de uma hora depois, me entrasse somente água salgada na marinha, ao que se deve, junto com as dispendiosas bemfeitorias que lhe fiz, a melhoria, e maior produção de sal”


Fonte: Maria Dulce de Oliveira Marques – Dissertação de Mestrado –“O Salgado de Alcochete”

O Sal - Parte 3



No século XIII, ao longo do estuário do Tejo, tanto na margem direita como na margem esquerda, surgem pequenos núcleos salineiros que se vão implantando na paisagem, pintando-a de branco. O seu desenvolvimento ao longo dos séculos é marcado pela importância que adquire nos circuitos comerciais tanto no mercado nacional como no internacional, tornando-se fundamental para a vitalidade económica das comunidades locais.

 Virgínia Rau no estudo que fez sobre as salinas do estuário do Sado, também aborda o salgado de Lisboa, fazendo uma referência curiosa acerca da forma como vão surgindo os primeiros centros produtores na margem sul do Tejo associados ao aparecimento de pequenas comunidades ribeirinhas. Refere a autora que, nos finais do séc. XIII no estuário do Tejo, surge “uma poeira de lugarejos que constituíam um grémio municipal rudimentar: o concelho do Ribatejo. Nessa orla de terras baixas por onde o mar surgia ao longo dos esteiros e dos ribeiros, quase toda entregue aos cuidados colonizadores da ordem de Santiago, verificou-se o aparecimento de minúsculas póvoas ribeirinhas, em grande parte para exploração de salinas, desde o segundo quartel do séc. XIII, tais como: Montigio (1249), u samouco e Lançada (1241), sarilhos (1304), aldeã dalcouxhete (1313), aldeã galega (herdade de Fernão Galego, 1306) e outras. Todas elas tinham por sede paroquial Sabonha (Sabona, 1249), outro lugarejo situado numa pequena eminência entre Alcochete e Aldeia Galega.”    
 Segundo José Estevam, “ A comarca do Ribatejo era constituída no século XV pelo Concelho de S. Lourenço de Alhos  Vedros e pelo Concelho de Santa Maria de Sabonha, este último composto da vila da Alcochete e dos lugares de Aldeia galega, Samouco e Sarilhos.”   A sede paroquial, funcionava na Igreja do mesmo nome, implantada no local que mais tarde se viria a chamar S. Francisco. Como lugar dominante, que era, aqui se construiu a primeira igreja, dedicada a Santa Maria, símbolo por excelência da autoridade da povoação sobre o território circundante.
“A vereação  do concelho ou freguesia de Sabonha constava de dois juízes ordinários, um vereador e um procurador. Um dos juízes residia em Alcochete e o outro em Aldeia Galega”
 No séc. XV, a ordem de S. Tiago dissolve o concelho de Santa Maria de Sabonha e cria dois concelhos: o concelho de Aldeia Galega (actual Montijo), ao qual junta o lugar de Sarilhos e o concelho de Alcochete, integrando neste o lugar de Samouco.

 Efectivamente, as zonas ribeirinhas, nomeadamente aquelas que ofereciam condições favoráveis à fixação do homem, constituíram um ponto de atracção humana, graças aos recursos que a terra e o clima ofereciam. A exploração do solo era a principal fonte de rendimento destas pequenas comunidades. O tipo de exploração que se fazia da terra dependia da capacidade do homem para observar e interpretar a natureza, explorando a terra da forma mais rentável possível. Daí que nas zonas alagadas, onde não era possível desenvolver a agricultura uma vez que as águas das marés entravam através dos esteiros ou dos rios, o homem dedicava-se à exploração do sal. Em muitas situações os resultados foram vantajosos.
  Por isso, tal como outros estudiosos têm referido, o salineiro, marnoto ou marnoteiro, antes de o ser, era em primeiro lugar agricultor, pois precisava de dominar as técnicas para amanhar e cultivar aterra.
Precisava de conhecer a terra e as plantas que aí podia cultivar. Este conhecimento obtido pela experiência acumulada e transmitido de gerações em gerações constituiu o segredo que fez prosperar a Indústria salineira nesta região, assim como noutras.
Desta forma, embora as referências documentais provem a existência de salinas nas margens do Tejo, a partir de meados do século XIII, construídas aqui e ali conforme as condições do terreno e a habilidade do homem o permitiam, é muito provável que já antes se produzisse sal nesta região. (…) Acerca da questão da antiguidade da indústria salineira, esta seria a região que oferecia, desde tempos remotos, as melhores condições para o desenvolvimento da salicultura. Segundo Lacerda Lobo, terá sido nas margens do Sado e Tejo que se construíram e exploraram as primeiras salinas, pelas seguintes razões: “1º as enchentes das marés nestas regiões são mais consideráveis do que no Mondego e Ria de Aveiro; 2º o terreno é mais apropriado para nelas se fazerem marinhas; 3º A extracção do sal é mais fácil pela bondade faz barras de Lisboa e Setúbal. Estas vantagens, que a natureza nunca negou a estes sítios, são motivos fortes, para nos persuadirmos, que os nosso maiores talvez fizessem aqui primeiro Marinhas que em qualquer outra parte” 
 Na margem esquerda do Tejo, as referências documentais, sobre a indústria salineira, remontam ao século XIV, embora já muitos anos antes, se produzisse sal. Só assim se justifica toda a documentação relativa a contratos de arrendamento e de compra e venda de salinas, nesta região, que os estudos de Virgínia Rau vieram demonstrar. No século XIV, a margem sul do Tejo teria já uma produção bastante significativa, merecendo o interesse e investimento de proprietários locais e especialmente de Lisboa. Assim, em 1375 (16 de Outubro) Gil Vicente, prior de Stª Maria de Sabonha, vende uma salina a Lopo Martins de Lisboa, situada num lugar chamado “pinhal do Ribatejo”, onde se situava um dos centros produtores importantes desta região.

 Virgínia Rau, refere um documento existente no núcleo documental do Mosteiro de Chelas, no qual consta um contrato de arrendamento de uma salina, em Aldeia-Galega, actualmente pertencente ao concelho do Montijo, realizado entre Constança Afonso e Domingos Afonso, morador nesta localidade, que segundo a autora “define usanças e normas que só longos decénios de exploração salícola podiam ter estruturado” 
 Em 1429 (10 de Outubro), uma carta de emprazamento, outorgada pela “subprioresa” do mosteiro de Chelas, Catarina Anes, a João Esteves, refere o aproveitamento de uma marinha no Lavradio, “perto de outras de diferentes proprietários, que jazia muito danificada e lapidada”.
No reinado de D. João I, o salgado de Lisboa, nomeadamente da margem sul, teria já alguma expressão no reino pois o sal que aqui se produzia servia para consumo interno e também para exportação para outros países. Segundo Constantino de Lacerda, “ no reinado do senhor rei D. João I havia marinhas no Riba-Tejo em tão grande quantidade, que não somente davam sal para o consumo de Lisboa, mas também era exportado para fora do reino, o que se prova por um dos artigos, que foram requeridos em Coimbra ao Senhor rei D. João I por parte dos fidalgos, referidos nas ordenações do senhor rei D. Afonso V.” 8   
  Neste artigo, queixam-se os fidalgos de Lisboa e outros das imposições que o rei havia lançado sobre o sal, sobrecarregando os exploradores, que desta forma não tinham qualquer rendimento com o sal que produziam, nem com o seu comércio. Queixam-se ainda pelo facto de se determinar que, quem tirasse sal de um termo para outro pagasse três libras por cada moio de sal. Porém, muitas vezes acontecia que o produto da venda não chegava a render as três libras que pagavam. Por outro lado, sendo a maioria dos proprietários fidalgos de Lisboa, teriam que levar o sal do Ribatejo para a dita cidade, para abastecer as suas casas ou para vender no mercado estando sujeitos a o pagamento das referidas três libras. Por isso, pedem ao rei para que não sobrecarregue o sal com esta imposição. 9 


Daqui se infere também que era na região do Ribatejo situada na margem sul do Tejo, que se encontrava o centro produtor mais importante. 

Fonte: Maria Dulce de Oliveira Marques – Dissertação de Mestrado –“O Salgado de Alcochete”