Já há algum tempo procurava um texto de cariz histórico sobre a Fundação, sem
grande sucesso, até agora.
O Blog
Praia
dos Moinhos, foi criado por uma pessoa, que penso jornalista de profissão,
chamado Fonseca Bastos. Esta pessoa, já falecida, no seu blogue debitou imensa
informação histórica sobre Alcochete, indo mesmo às fontes para validar
informação.
No meu tempo de “blogger” amador, penso que cruzei por duas
vezes, mails com este senhor sobre alguns temas da nossa terra, dando ideias
para pesquisas, mas nunca o conheci pessoalmente. Nas minhas pesquisas
amadoras, o mundo da internet dá-nos por vezes perolas históricas, algumas desconhecidas.
Pelo menos para mim e que desinteressadamente as transcrevo aqui. Muitos dos
textos não são de minha autoria, e tenho sempre o cuidado de colocar as fontes
onde absorvo informação.
A história que se segue é História, mas recente. Ponderei
algumas vezes, sobre transcrevê-la ou não, pois poderia enveredar por caminhos
mais “políticos” e algo recentes na memória de alguns alcochetanos, coisa que
tenho mantido como, podemos chamar, a linha editorial, do meu blogue. O meu
principal interesse é a História de Alcochete. A vertente política deixo-as
noutras esferas.
Decidi então publicar o post de Fonseca Bastos e pesando os
prós e os contras e lendo um seu comentário, vejo que a realidade histórica mesmo
que recente, deve ser explanada. Fonseca Bastos escreveu num comentário sobre
este assunto que “ a História é habitualmente escrita pelos
vencedores e raros têm oportunidade e curiosidade em conhecer e dialogar com os
vencidos.
Relativamente
a muita coisa do passado de Alcochete, entre a década de 40 e a actualidade,
tive o privilégio de ler e escutar ambos os lados, dialogando com protagonistas
ou seus descendentes documentados.
Consequentemente,
para mim a verdade histórica diverge do que se tem propalado.
Suponho
que os alcochetanos jamais se aperceberão da verdade enquanto derem ouvidos a
quem jura abjurar o passado mas no presente age de modo idêntico”.
Mal ou bem, o que se segue não tem qualquer intuito
politico, mas segue a linha que partilho com o autor. O texto é de 2008 e está
presente no blogue ainda hoje. Assim como vários outros textos que partilharei
neste meu blogue, por os achar historicamente importantes.
“A Fundação João
Gonçalves Júnior tem pouco menos de 57 anos de existência e continuam,
felizmente, entre nós inúmeras pessoas que, directa ou indirectamente, a ela
estiveram ligadas desde início e bem conhecem os objectivos da sua
instituidora. Por continuarem desconhecidos da maioria inúmeros factos,
repito-os seguidamente. São pormenores não inéditos porque foram, pela primeira
vez, publicados, em 2004, no portal «Tágides».
Em 5 de Dezembro de 1951, D. Mariana Gonçalves Dias de Sousa Rodrigues – cujo
nome de solteira era Mariana Augusta da Cruz Gonçalves e que nunca teve filhos
– em seu leito de doente terminal, em circunstâncias dramáticas e na presença
de duas testemunhas, resolve ditar testamento e disposição de sua última
vontade perante o notário dr. Fernando Tavares de Carvalho, que tinha a seu
cargo o 9.° Cartório Notarial de Lisboa.
Conforme cópia do testamento em meu poder e que reproduzo na imagem acima, D.
Mariana Gonçalves Dias de Sousa Rodrigues dispõe dos seus bens dividindo a
herança pessoal em três partes iguais:
– A primeira deixa em propriedade plena a sua irmã, Emília da Cruz Gonçalves;
– A segunda parte, também em propriedade plena, transfere-a para outra irmã,
Maria José Gonçalves Facco Viana;
– A terceira parte, também sem qualquer reserva, deveria ser aplicada numa
fundação, cujos fins expressos são: "a distribuição de uma sopa aos
pobres da freguesia de São João Baptista, de Alcochete, Fundação que tomará o
nome de meu pai João Gonçalves Júnior e será administrada pelo Padre Crispim
António dos Santos [à época pároco da freguesia], pelo dr. José Grilo Evangelista,
médico em Alcochete, e pelo dr. José Maria Gonçalves Guerra, médico no
Montijo".
Deixa bem expresso no testamento que a sede da fundação "será em
Alcochete e que dado o caso de falecimento de qualquer dos nomeados
administradores será ele substituído pelo que os sobreviventes nomearem".
Determinaria ainda que, "se por qualquer motivo, a fundação se
extinguir, os bens que a tiverem representado serão deferidos a favor de todos
os meus sobrinhos, filhos de todas as minhas irmãs, falecidas ou não falecidas,
entre as quais deverá ser incluída, nas mesmas condições, a minha prima Ilda
Gonçalves de Oliveira".
Em 7 de Janeiro de 1952 – menos de um mês decorrido após a elaboração do
testamento – verifica-se o óbito da doadora, aos 63 anos de idade.
É instaurado o processo de Inventário Orfanológico obrigatório, que viria a ser
profusamente recheado de incidentes processuais e de recursos para os tribunais
superiores.
A fundação é legalmente criada em 1953 e litiga com isenção de custas, pelo que
os recursos são subscritos em seu nome.
O litígio arrastar-se-á por onze longos anos, sem que os administradores
nomeados em testamento conseguissem pôr a funcionar a fundação e a sua sopa dos
pobres.
Em 30 de Maio de 1962, o ministro da Saúde e Assistência emite um despacho
nomeando uma Comissão Administrativa para a fundação. A posse será
conferida no dia seguinte, em Setúbal, pelo Governador Civil do distrito, dr.
Miguel Rodrigues Bastos. A comissão é constituída por dr. Francisco Elmano Cruz
Alves, advogado; dr. José Grilo Evangelista, médico em Alcochete; e António
Antunes, provedor da Santa Casa da Misericórdia de Alcochete, tendo como
objectivos prioritários terminar o processo judicial, entrar na posse dos bens
da herança e pôr a instituição em funcionamento efectivo.
Em 15 de Agosto de 1962 é aprovado o primeiro orçamento da Fundação João
Gonçalves Júnior e, em 15 de Janeiro seguinte, arrendado o prédio então
pertencente a Aires Salvado de Carvalho, sito na Rua Dr. Ciprião de Figueiredo
(ex -D. Manuel I), n.°s 24 a 28 – hoje edifício de propriedade municipal e
abandonado – no qual se instalam provisoriamente a sopa dos pobres e a
secretaria da instituição.
Começava, finalmente, a cumprir-se a última vontade da benemérita doadora.
Em Abril 1963 iniciam-se as obras de adaptação do edifício arrendado e
procede-se ao seu apetrechamento.
Em 15 de Novembro do mesmo ano saldam-se as contas com o dr. Carlos Zeferino
Pinto Coelho, advogado que representou a fundação em juízo durante doze anos.
Em Dezembro de 1963 obtém-se a colaboração da Congregação das Irmãs
Franciscanas de Calais, que virão dirigir a sopa dos pobres e o futuro
patronato das crianças, celebrando-se na Igreja Matriz solenes exéquias em
memória da fundadora.
Então a Comissão Administrativa resolve, dentro de uma interpretação extensiva
dos fins testamentários definidos para a fundação, que a assistência a prestar
aos pobres não seria restrita ao plano alimentar – onde, aliás, as carências em
Alcochete vinham diminuindo com o surto de industrialização. As carências
educacionais eram tanto ou mais importantes como o pão para a boca e a criação
de um jardim infantil preencheria essa lacuna, visto que muitas mães
trabalhadoras não tinham a quem confiar os filhos durante o dia.
Em 7 de Janeiro de 1964, com a presença do Governador Civil do distrito, e do
dr. Manuel Medeiros, em representação do Director-Geral da Assistência, é
inaugurada a sede provisória da sopa dos pobres.
Dezasseis dias depois é proposta a alteração dos estatutos, para contemplar o
jardim infantil e aumentar de três para cinco o número de administradores da
fundação.
A 20 de Março de 1964 delibera-se adquirir à família Barreto, herdeira de D.
Mariana Rosa Adivinha da Costa, o prédio sito no Largo de São João, n.ºs 23 a
27, por 330 contos, a fim de aí erguer a futura sede (o edifício hoje
existente).
Em 15 de Abril seguinte chega a Alcochete a comunidade religiosa, composta por
quatro irmãs e a superiora, que se dedicarão inteiramente à sua missão.
Em Outubro desse ano terminaria o primeiro arrendamento das marinhas de sal,
celebrado em 1962 – as marinhas do Brito, junto à Praia dos Moinhos, foram
integradadas no terço do testamento atribuído à fundação – e, em Março do ano
seguinte, realizar-se-ia a primeira ida à praça do arrendamento, não aparecendo
candidatos. A segunda praça ficará igualmente deserta.
Perante este cenário, em 24 de Abril de 1965 resolve-se, corajosamente,
empreender a exploração directa das salinas, contratando um encarregado para
dirigir a exploração. Ainda hoje essas marinhas estão a cargo da fundação,
embora com significativo apoio financeiro do município, visto serem
deficitárias.
Voltando um pouco atrás, a 7 de Janeiro de 1965, data do 13.º aniversário do
óbito da fundadora, é inaugurado na sede o busto em bronze do seu patrono, João
Gonçalves Júnior, da autoria do escultor Luís Castelo Branco (o mesmo da
estátua do Padre Cruz), hoje visível na entrada principal do jardim infantil,
na Rua Carlos Manuel Rodrigues Francisco.
Ao tempo o jardim infantil funcionava com 50 crianças e a escritura de
aquisição do prédio original à família Barreto é outorgada em 17 de Novembro de
1965, sendo doado pelos vendedores um donativo de 20 contos.
A forma amiga como decorreram todas as as negociações levaria a fundação a
atribuir a duas salas de aula os nomes de D. Mariana Rosa Adivinha da Costa e
D. Maria José da Graça Barreto de Bragança, Duquesa de Lafões.
Em 2 de Janeiro de 1966 é entregue ao arquitecto Lopes Galvão a elaboração do
projecto do actual edifício sede da fundação, prevendo as mesmas três frentes
que continuam a existir.
Em 9 de Outubro de 1966 o dr. Elmano Alves propõe a sua substituição na
presidência da fundação pelo Padre José Gonçalves dos Santos, pároco de
Alcochete, que se concretizaria apenas em Julho de 1968.
Em 15 de Janeiro de 1969, o então Cardeal Patriarca de Lisboa, D. Manuel
Gonçalves Cerejeira, dá a benção à primeira pedra da sede, as obras iniciam-se
de imediato e em força.
Entretanto surge a oportunidade de instalar, no rés-do-chão do Largo de São
João, a agência do Banco Pinto de Magalhães, a primeira dependência
bancária que houve Alcochete, hoje pertencente ao Millenium.
Em Setembro de 1972 conclui-se a negociação do arrendamento com o Banco Pinto
de Magalhães, mediante a renda mensal de 6.000$00 (importância que na época
correspondia ao valor dos salários do pessoal da fundação), além da entrega de
mais 300.000$00 e de um donativo de 100.000$00 para o jardim infantil.
Em Junho de 1975 o dr. Elmano Alves renuncia definitivamente à administração da
fundação, de imediato aceite pelos seus pares, e o então comandante Fuzeta da
Ponte – hoje almirante na reserva – que, ao tempo, assumia funções de
Governador Civil designado pela Junta de Salvação Nacional, pressionava o
saneamento da administração da Fundação João Gonçalves Júnior.
O resto da história é conhecida de alguns e conviria que a revelassem hoje em
pormenor.”
Texto de Fonseca Bastos, 2008 em Blogue Praia dos Moinhos