21 abril 2014

O Sal - Parte 4

 Em 1512 foram contadas 79 marinhas, com um total de 11 052 talhos, situadas tanto na ribeira da foz do Sabonha, como na ribeira de Aldeia Galega (Montijo) e que eram “foreiras ou davam o dizimo, à Ordem de Santiago” 

O salgado foi-se desenvolvendo ao longo dos séculos, sujeito às contingências do meio, tais como o solo, o clima a maior ou menor proximidade dos esteiros relativamente ao mar, que de certa forma determinaram técnicas e processo de exploração. Os recursos económicos e humanos existentes, marcaram também desenvolvimento da indústria salineira.  

Assim, nos finai do séc. XVIII e inicio do séc. XIX continua a surgir documentação relativa às salinas de Alcochete, tais como contratos de arrendamento, aforamentos, ou ainda relatórios das salinas onde são apresentados os proprietários ou arrendatários e a quantidade de sal que produzia. Estas referências provam que a exploração da salicultura, nesta região, foi-se desenvolvendo lentamente ao longo dos séculos anteriores, atingindo a sua maturidade nos finais do séc. XVIII, altura em que ganha projecção na região de Lisboa e a nível nacional.
 Nos finai do séc. XVIII, os trabalhos realizados por Lacerda Lobo, sobre o salgado português constituem também uma referência fundamental para conhecer estado de desenvolvimento da Indústria salineira em Alcochete, o tipo de solo das marinhas, os processos utilizados e a localização das marinhas. Aliás o autor, refere-se de forma indirecta à exploração salícola de Alcochete, a propósito  da construção das marinhas de Alvor e Vila nova de Portimão, no Algarve. Mandadas construir pelo infante D. Francisco em 1720, sob a responsabilidade do Mestre de marinhas, João Marques Ratinho, natural de Alcochete.

Posteriormente sucederam-lhe os filhos: Francisco Marques; Lourenço Marques e Manuel Marques, sendo ainda em 1790 o mestre das referidas marinhas um dos filhos.
O mestre Ratinho responsável pela criação desta marinhas levou para esta região, a sua experiência e conhecimentos sobre o amanho das marinhas e feitura do sal. Daí que, como o próprio autor refere, “ São estas Marinhas enquanto à ordem dos reservatórios, e manipulação do sal, em tudo semelhantes às de Alcochete.”
Esta referência prova que no início do séc. XVIII, a indústria salineira estaria bem enraizada em Alcochete. Assim, daqui saíam os “mestres” para ensinar a “arte” de amanhar as marinhas e os processos subjacentes à feitura do sal, nas regiões do país onde a indústria salineira era ainda incipiente. Por outro lado, poder-se-á também colocar a hipótese do mestre Ratinho e a família terem ido para a região do Algarve, pelo facto das marinhas de Alcochete, nesta altura, serem pouco rentáveis devido à baixa produtividade; facto que obrigou este produtor a investir noutras regiões onde as condições eram mais favoráveis à exploração salícola.

Relativamente ao século XIX, alguma documentação existente no arquivo distrital de Setúbal, permite esclarecer algumas questões sobre o salgado de Alcochete, nomeadamente quanto ao número de salinas, sua localização e respectivos proprietários, assim como quem eram os arrendatários. Porém, é escassa,  atendendo à importância que este salgado já em finais do séc. XVIII e especialmente no séc. XIX tinha na margem sul do Tejo. Muita documentação ou se perdeu ou estará por inventariar e dispersa em arquivos Municipais, ou outras instituições e famílias proprietárias ou arrendatárias de salinas.
Foi possível colmatar, em parte, esta lacuna para os finais do séc. XVIII, recorrendo-se a uma obra bastante importante para a história económica e social de Alcochete, que é a obra de Jacome Ratton, Recordações de Jacome Ratton…, escrita entre 1747 e 1810. Nela observa-se o estado de desenvolvimento de Alcochete, quer ao nível da agricultura, quer da salicultura, a ocupação do espaço em termos de população, as zonas cultivadas e incultas bem como a situação económica das populações que aqui habitavam. É, por isso, uma referência para Alcochete, na qual se encontram descritos espaços e situações, bem como todas as obras levadas a cabo por este empreendedor em vários locais. Tais foram os trabalhos de modernização implementados, nomeadamente na Barroca D`Alva que o rei D. José se lhe dirigiu nestes termos “ este é o nosso Ratton o grande cultivador da barroca d`Alva”
 O único rendimento da Barroca d´Alva, na altura em que Jacome Ratton a tomou de arrendamento decorria o ano de 1767, era uma marinha que se situava afastada do Tejo. Esta era uma marinha pequena e que se encontrava em mau estado de conservação, estando arrendada por 192.000 reis, “único rendimento de toda a barroca d`Alva para seu dono, e que se achavam hipotecados ao pagamento de uma divida, que sucessivamente ia crescendo pela acumulação dos juros, por estes excederem muito a dita quantia; divida que eu resgatei antes de me apossar da marinha para bemfeitorizar ao ponto de render dois mil mois de sal claro, um ano por outro, quando antes não passava de duzentos, e muito escuro, em razão dos muitos nascimentos de água doce, que ali havia; e que à força de pensar, e de dinheiro fiz desaparecer, cuja descoberta até então desconhecida tem sido depois aproveitada nas outras marinhas daqueles contornos. E como esta marinha é a mais distante de todas aquelas que recebem do Tejo a água das marés pelo rio das Enguias; e por isso neste sitio a sua água menos salgada em razão da doce que se lhe mistura; e observando eu ao mesmo tempo, que nos praimares das águas vivas, a doce, por mais leve se achava ao decima do salgada, construí o registo da entrada das águas nos viveiros, de modo que abrindo-se pouco antes das praiasmar, e fechando-se pouco mais de uma hora depois, me entrasse somente água salgada na marinha, ao que se deve, junto com as dispendiosas bemfeitorias que lhe fiz, a melhoria, e maior produção de sal”


Fonte: Maria Dulce de Oliveira Marques – Dissertação de Mestrado –“O Salgado de Alcochete”

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