21 abril 2014

O Sal - Parte 3



No século XIII, ao longo do estuário do Tejo, tanto na margem direita como na margem esquerda, surgem pequenos núcleos salineiros que se vão implantando na paisagem, pintando-a de branco. O seu desenvolvimento ao longo dos séculos é marcado pela importância que adquire nos circuitos comerciais tanto no mercado nacional como no internacional, tornando-se fundamental para a vitalidade económica das comunidades locais.

 Virgínia Rau no estudo que fez sobre as salinas do estuário do Sado, também aborda o salgado de Lisboa, fazendo uma referência curiosa acerca da forma como vão surgindo os primeiros centros produtores na margem sul do Tejo associados ao aparecimento de pequenas comunidades ribeirinhas. Refere a autora que, nos finais do séc. XIII no estuário do Tejo, surge “uma poeira de lugarejos que constituíam um grémio municipal rudimentar: o concelho do Ribatejo. Nessa orla de terras baixas por onde o mar surgia ao longo dos esteiros e dos ribeiros, quase toda entregue aos cuidados colonizadores da ordem de Santiago, verificou-se o aparecimento de minúsculas póvoas ribeirinhas, em grande parte para exploração de salinas, desde o segundo quartel do séc. XIII, tais como: Montigio (1249), u samouco e Lançada (1241), sarilhos (1304), aldeã dalcouxhete (1313), aldeã galega (herdade de Fernão Galego, 1306) e outras. Todas elas tinham por sede paroquial Sabonha (Sabona, 1249), outro lugarejo situado numa pequena eminência entre Alcochete e Aldeia Galega.”    
 Segundo José Estevam, “ A comarca do Ribatejo era constituída no século XV pelo Concelho de S. Lourenço de Alhos  Vedros e pelo Concelho de Santa Maria de Sabonha, este último composto da vila da Alcochete e dos lugares de Aldeia galega, Samouco e Sarilhos.”   A sede paroquial, funcionava na Igreja do mesmo nome, implantada no local que mais tarde se viria a chamar S. Francisco. Como lugar dominante, que era, aqui se construiu a primeira igreja, dedicada a Santa Maria, símbolo por excelência da autoridade da povoação sobre o território circundante.
“A vereação  do concelho ou freguesia de Sabonha constava de dois juízes ordinários, um vereador e um procurador. Um dos juízes residia em Alcochete e o outro em Aldeia Galega”
 No séc. XV, a ordem de S. Tiago dissolve o concelho de Santa Maria de Sabonha e cria dois concelhos: o concelho de Aldeia Galega (actual Montijo), ao qual junta o lugar de Sarilhos e o concelho de Alcochete, integrando neste o lugar de Samouco.

 Efectivamente, as zonas ribeirinhas, nomeadamente aquelas que ofereciam condições favoráveis à fixação do homem, constituíram um ponto de atracção humana, graças aos recursos que a terra e o clima ofereciam. A exploração do solo era a principal fonte de rendimento destas pequenas comunidades. O tipo de exploração que se fazia da terra dependia da capacidade do homem para observar e interpretar a natureza, explorando a terra da forma mais rentável possível. Daí que nas zonas alagadas, onde não era possível desenvolver a agricultura uma vez que as águas das marés entravam através dos esteiros ou dos rios, o homem dedicava-se à exploração do sal. Em muitas situações os resultados foram vantajosos.
  Por isso, tal como outros estudiosos têm referido, o salineiro, marnoto ou marnoteiro, antes de o ser, era em primeiro lugar agricultor, pois precisava de dominar as técnicas para amanhar e cultivar aterra.
Precisava de conhecer a terra e as plantas que aí podia cultivar. Este conhecimento obtido pela experiência acumulada e transmitido de gerações em gerações constituiu o segredo que fez prosperar a Indústria salineira nesta região, assim como noutras.
Desta forma, embora as referências documentais provem a existência de salinas nas margens do Tejo, a partir de meados do século XIII, construídas aqui e ali conforme as condições do terreno e a habilidade do homem o permitiam, é muito provável que já antes se produzisse sal nesta região. (…) Acerca da questão da antiguidade da indústria salineira, esta seria a região que oferecia, desde tempos remotos, as melhores condições para o desenvolvimento da salicultura. Segundo Lacerda Lobo, terá sido nas margens do Sado e Tejo que se construíram e exploraram as primeiras salinas, pelas seguintes razões: “1º as enchentes das marés nestas regiões são mais consideráveis do que no Mondego e Ria de Aveiro; 2º o terreno é mais apropriado para nelas se fazerem marinhas; 3º A extracção do sal é mais fácil pela bondade faz barras de Lisboa e Setúbal. Estas vantagens, que a natureza nunca negou a estes sítios, são motivos fortes, para nos persuadirmos, que os nosso maiores talvez fizessem aqui primeiro Marinhas que em qualquer outra parte” 
 Na margem esquerda do Tejo, as referências documentais, sobre a indústria salineira, remontam ao século XIV, embora já muitos anos antes, se produzisse sal. Só assim se justifica toda a documentação relativa a contratos de arrendamento e de compra e venda de salinas, nesta região, que os estudos de Virgínia Rau vieram demonstrar. No século XIV, a margem sul do Tejo teria já uma produção bastante significativa, merecendo o interesse e investimento de proprietários locais e especialmente de Lisboa. Assim, em 1375 (16 de Outubro) Gil Vicente, prior de Stª Maria de Sabonha, vende uma salina a Lopo Martins de Lisboa, situada num lugar chamado “pinhal do Ribatejo”, onde se situava um dos centros produtores importantes desta região.

 Virgínia Rau, refere um documento existente no núcleo documental do Mosteiro de Chelas, no qual consta um contrato de arrendamento de uma salina, em Aldeia-Galega, actualmente pertencente ao concelho do Montijo, realizado entre Constança Afonso e Domingos Afonso, morador nesta localidade, que segundo a autora “define usanças e normas que só longos decénios de exploração salícola podiam ter estruturado” 
 Em 1429 (10 de Outubro), uma carta de emprazamento, outorgada pela “subprioresa” do mosteiro de Chelas, Catarina Anes, a João Esteves, refere o aproveitamento de uma marinha no Lavradio, “perto de outras de diferentes proprietários, que jazia muito danificada e lapidada”.
No reinado de D. João I, o salgado de Lisboa, nomeadamente da margem sul, teria já alguma expressão no reino pois o sal que aqui se produzia servia para consumo interno e também para exportação para outros países. Segundo Constantino de Lacerda, “ no reinado do senhor rei D. João I havia marinhas no Riba-Tejo em tão grande quantidade, que não somente davam sal para o consumo de Lisboa, mas também era exportado para fora do reino, o que se prova por um dos artigos, que foram requeridos em Coimbra ao Senhor rei D. João I por parte dos fidalgos, referidos nas ordenações do senhor rei D. Afonso V.” 8   
  Neste artigo, queixam-se os fidalgos de Lisboa e outros das imposições que o rei havia lançado sobre o sal, sobrecarregando os exploradores, que desta forma não tinham qualquer rendimento com o sal que produziam, nem com o seu comércio. Queixam-se ainda pelo facto de se determinar que, quem tirasse sal de um termo para outro pagasse três libras por cada moio de sal. Porém, muitas vezes acontecia que o produto da venda não chegava a render as três libras que pagavam. Por outro lado, sendo a maioria dos proprietários fidalgos de Lisboa, teriam que levar o sal do Ribatejo para a dita cidade, para abastecer as suas casas ou para vender no mercado estando sujeitos a o pagamento das referidas três libras. Por isso, pedem ao rei para que não sobrecarregue o sal com esta imposição. 9 


Daqui se infere também que era na região do Ribatejo situada na margem sul do Tejo, que se encontrava o centro produtor mais importante. 

Fonte: Maria Dulce de Oliveira Marques – Dissertação de Mestrado –“O Salgado de Alcochete”

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