27 junho 2014

João Roiz





Após a visita de alguns italianos a Portugal para a demonstração de engenhos subaquáticos na Idade Média, onde apresentaram os famosos sinos de mergulho, existem escassíssimas referências, mais difusas, a experiências subaquáticas que ocorreram na época moderna. Datam aproximadamente do segundo quartel do século XVI os primeiros relatos conhecidos em Portugal.

O documento mais antigo referente a tais experiências põe em destaque um João Roiz - embora não datada, outros elementos indiciam seguramente ter sido redigida no segundo quartel do séc. XVI. Nela se mencionam uma série de “engenhos” para merecer a atenção e o dinheiro régios, das quais se destaca pela sua singularidade um equipamento específico para exploração do meio subaquático. 
De acordo com o documento anónimo, aparentemente redigido por uma outra pessoa, Roiz terá dito “que muitas vezes acontece em porto de mar ou de rio cair alguma cousa em que as vezes se perde muita fazenda e por falta de nom poderem andar debaixo d’agoa se perde muita cousa”. Para corrigir esta situação, João Roiz pretendia proceder a uma experiência, fazendo com que “vá hum homem abaixo a ter(r)a (sic) e estê lá espaço que pos(s)a fazer o que for neces(s)ário”. 


As novidades prosseguem neste documento de raro interesse, pois ficamos a saber de uma proposta anterior no mesmo sentido que não surtiu efeito. Esta indicação sugere que aquele ensaio consistiria na tentativa de travessia subaquática do estuário do Tejo entre a povoação de Alcochete, de onde era natural o proponente, e a cidade de Lisboa. Por isso, Roiz previne o rei contra o cepticismo previsível provocado por esse prévio fracasso“Acerqua disto dirã(o) a Vossa Alteza que será isto como foy ho homem d’Alcouchete (sic) que dis(s)e que avia de vir por baixo d’agoa a Lixboa digo que isto que eu dito tenho se pode fazer e se faz em algumas partes fora destes Regnos e acerqua deste engenho creyo que darey outro milhor que ho que eu vy e que o que se usa fora daquy eu ho direy a Vossa Alteza e creya Vossa Alteza o que digo poder ser asy que em estas cousas posso servir a Vossa Alteza se dellas se quiser servir (...)”. [a carta de proposta encontra-se no Arquivo Nacional da Torre do Tombo, Cartas Missivas, e foi publicada por Sousa Viterbo, Inventores Portuguezes (Coimbra, 1902)]

Este documento alude a uma versatilidade tipicamente renascentista de conhecimentos no campo bélico e náutico, pois as suas propostas ao rei incluem “engenhos” para fundir artilharia “por menos preço e menos metal” e avaliação da qualidade da pólvora produzida. Percebe-se que Roiz estivera previamente envolvido na produção de artilharia e noutras iniciativas afins em Inglaterra ao serviço de Henrique VIII. Apresentou também um novo sistema hidráulico a bordo dos navios da Carreira da Índia concebida para optimizar, duplicando, o rendimento das bombas dos navios aperfeiçoando modelos anteriores.

Porém, tal como sucedeu a tantos outros empreendedores subaquáticos, o rasto de Roiz e das suas propostas submarinas perdeu-se no agitado século de Ouro das navegações portuguesas. 

A travessia do “homem de Alcochete” e o “engenho” de João Roiz para resgate de objectos submersos mostram-se aqui como as primeiras referências expressamente alusivas a propostas de mergulho com recurso a equipamentos especialmente concebidos para o meio subaquático de que há conhecimento em Portugal.
Porém, se é certo que Roiz solicitou o uso exclusivo na utilização dos seus “engenhos” (provavelmente variantes do sino de mergulho), desconhece-se a existência da respectiva resposta régia, se bem que na ausência de qualquer referência ao emprego de tais inventos na costa portuguesa no reinado em que foi proposto (D. João III), se possa sugerir que não terão surtido efeito.
Se a experiência de João Roiz teve efectivamente lugar supomos que terá sido realizada muito provavelmente utilizando um sino de mergulho, cuja utilização moderna se iniciou ainda no séc. XVI. Sendo certo que, por um lado Roiz invoca ter servido um rei inglês, e por outro, justamente no reinado de Henrique VIII vários mergulhadores venezianos trabalharam em Inglaterra na tentativa de resgate do navio de guerra da Coroa inglesa Mary Rose afundado em 1545, poderá ter sido com estes que o português aprendeu a “vir por baixo d’agoa”. De facto, as derradeiras notícias relativas ao salvamento deste célebre navio ainda em meados de Quinhentos mencionam a artilharia recuperada entre1545 e 1549 sobretudo pelo mergulhador Piero Paolo, natural de Veneza.






O navio de guerra Mary Rose, jóia da armada de Henrique VIIIretratado pouco antes do seu trágico afundamento. "Anthony Roll" (1546)










Fonte e Imagem: Blog Maritimo