22 outubro 2006

Paço Real de Alcochete e Álvaro Velho

Antiga vila, cuja origem se perde nas brumas do passado, sobranceira ao rio Tejo, ao seu imenso estuário que quase se assemelha ao mar oceano, Alcochete foi desde sempre uma terra privilegiada em águas, ares e vastos horizontes por onde as suas gentes desde sempre espraiaram os seus sonhos, as suas vidas.

A 31 de Maio de 1469 nascia em Alcochete o rei D. Manuel I, posteriormente cognominado "o venturoso". Da ligação à vila que o viu nascer pouco se sabe, porém, cremos que a mesma não se tenha limitado a um nascimento ocasional, mas antes desse nascimento tivesse surgido uma ligação afectiva mais duradoura, atestada pelo Paço Real que existiu então, ou já existiria antes do nascimento do soberano. Devido à sua situação geográfica, privilegiada pelos arejados espaços da sua malha urbana, e pela relativa proximidade a Lisboa, capital do Império, Alcochete constituía, sem dúvida, uma vila de eleição para residência temporal da Corte, principalmente em períodos de peste, que periodicamente assolavam a capital.

Em 1498, Vasco da Gama chegava à Índia comandando uma frota composta por três navios: S. Gabriel, S. Rafael e Bérrio. A Álvaro Velho caberia a tarefa de escrever o roteiro da viajem, personagem a quem vários historiadores e alguns curiosos atribuem como terra de nascimento, o Barreiro.Este mesmo Álvaro Velho a determinada altura no seu roteiro refere: «Esta vila de Melinde (…) está assentada ao longo de uma praia, a qual vila se quer parecer com Alcochete, e as casa são altas e mui bem caiadas e tem muitas janelas» (1).

Se, tal como é referido por vários historiadores, Álvaro Velho era natural do Barreiro, lógico seria que conhecesse bem Alcochete, pela sua proximidade geográfica à primeira das povoações. Porém, mais lógico será a analogia que o autor refere no seu roteiro caso frequentasse amiudadamente a Corte em Alcochete, dado ser um homem de confiança do rei D. Manuel I e por esse facto querer distinguir o soberano, comparando Melinde a Alcochete.

Num maço de documentos descoberto há pouco pelo autor no Arquivo Distrital de Évora, encontram-se transcritas uma série de cartas datadas de 1508 a 1513, correspondência essa, trocada entre Álvaro Velho e o soberano. Na altura, era Álvaro Velho vedor e recebedor das obras do Mosteiro de S. Francisco na cidade de Évora, e paralelamente, grande proprietário nessa cidade (2), que regista ainda hoje em dia um largo com o seu nome.
Refira-se que as obras do convento de S. Francisco foram iniciadas em Maio de 1508 e concluídas em Maio de 1509 (3). A correspondência enviada pelo rei a Álvaro Velho é proveniente dos paços de Almeirim, dos Paços de Alcochete e dos paços de Lisboa. No entanto, uma única carta se encontra datada de Alcochete como segue: «Nós el-rei vos enviamos muito saudar. Mestre Olival veio a nós nos requerer algumas cousas acerca das obras que for nesse mosteiro. E quanto ao mais dinheiro que nos pediu que lhe mandássemos dar por respeito da mais obra que acrescentou no retávolo (…) com ele assentamos que fizesse cento trinta mil oitenta reis. E por que ele se obrigou a nos dar feita e acabada toda a dita obra, que assim agora com ele concertamos até um ano cumprido que começa a correr da feitura desta carta, avemos por bem que lhe paguem estes cento trinta mil oitenta reis que nele monta aos meses (…) Escrita em Alcouchete aos 28 de Março de 1508, Rey.
Para Álvaro Velho, do despacho de Mestre Olival 4.Embora não seja referido o dia, numa carta datada de 1508, dos paços de Almeirim, Mestre Olival endereça da seguinte forma a carta a Álvaro Velho: «Ao virtuoso senhor Álvaro Velho, vedor e recebedor das obras do Mosteiro de S. Francisco da cidade de Évora, por especial mandado de sua Alteza» (5).

Pela forma com Álvaro Velho é tratado, de que são exemplo as passagens destas duas cartas, conclui-se que seria personagem da estima do soberano. O ser natural do Barreiro, não podemos neste momento afirmar que o não fosse, mas o facto de ser grande proprietário em Évora, Alentejo, região de onde (provavelmente) era natural Vasco da Gama, e com ele ter embarcado para a Índia, suscita-nos dúvidas quanto ao ter nascido no Barreiro, terra, aliás, onde até hoje não foi encontrada referência à sua passagem e muito menos documentos de propriedades suas.


Quanto ao paço real de Alcochete, sabido que o terramoto de 1755 o destruiu certamente, tal como Lisboa e toda a zona ribeirinha do Tejo, talvez não seja difícil de localizar, atendendo aos avanços que a arqueologia urbana tem registado nos últimos anos.

(1) Vasco da Gama e a sua Viagem de Descobrimento, pg.67
(2) Cópia e leitura de Documentos do Cartório da Câmara de Évora (1440-1598)
(3) Papéis pertencentes à Administração dos Pastos. Resumo das Propriedades, rendas e direitos que ao Concelho d'esta cidade de Évora pertencem que estão na Torre do Tombo que foi feito no ano de 1536
(4) Documentos pertencentes à cidade de Évora
(5) Idem, ibidem

Transcrito de “Comunidades.Net”

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