04 julho 2006

Alcochete como Roma - Igreja da Misericórdia


A igreja da Misericórdia de Alcochete é o mais importante testemunho do período de apogeu de que a vila ribeirinha desfrutou no século XVI. Quer pela sua localização (à beira rio e em provável conexão com o paço real que os monarcas de Avis aqui detinham), quer pela qualidade artística da sua construção (que lhe confere o estatuto de monumento primeiro no contexto de um tardo-renascimento da margem Sul do Tejo), a igreja é uma referência incontornável no passado e no presente de Alcochete.
A sua construção remonta aos meados do século e estaria terminada, com grande probabilidade, em 1563, data inscrita no lintel do portal lateral Sul (o que está virado para a vila), juntamente com uma legenda alusiva à protecção da mater misericordiae. Ao que tudo indica, o projecto ficou a dever-se a um pouco conhecido arquitecto - Fernão Fidalgo, a quem se tem vindo a atribuir as diversas construções monumentais religiosas dos concelhos de Alcochete e de Aldeia Galega (Montijo) nos meados e segunda metade do século XVI.
Com efeito, quer as Misericórdias destas duas vilas, quer a Capela de Nossa Senhora da Vida, em Alcochete, quer ainda a Ermida de Santo António da Ussa, na herdade da Barroca de Alva, são construções unidas estilisticamente por um mesmo padrão tardo-renascentista erudito, "em moldes longinquamente italianizados", de que a Senhora da Vida é a manifestação mais clara (SERRÃO, 2002, p.216). Não restam dúvidas sobre a qualidade, originalidade e monumentalidade da igreja. O espaço foi propositadamente unificado, dispondo-se rectangularmente e diferenciando-se a capela-mor por estar em plano mais elevado que a nave. A cobertura reforça esta unificação espacial de tipo salão, ao compor-se por três panos de caixotões, onde se pintaram os símbolos da Misericórdia. Mas a principal característica do monumento, que o singulariza em relação a outras obras de idêntica funcionalidade, é o corpo quadrangular do narthex, que se adossa à fachada ocidental. Este elemento é também o que confere maior monumentalidade ao conjunto, uma vez que se organiza em dois andares: o primeiro corresponde àquele espaço de preparação para a entrada no templo, com acesso tripartido em cada alçado através de um amplo arco de volta perfeita; o segundo foi concebido como sala de reuniões e Casa do Despacho da Irmandade, impondo-se em altura bem acima do telhado da própria igreja.Findos os trabalhos de arquitectura, a Misericórdia de Alcochete esforçou-se por dotar o interior de elementos devocionais de qualidade. Exemplo máximo disso mesmo é o retábulo-mor, obra efectuada entre 1586 e 1588 e devido a um dos mais importantes nomes da pintura maneirista tardia portuguesa: Diogo Teixeira. Com oficina em Lisboa, a sua obra está documentada a partir da década de 60 e espalha-se por todo o país. Fiel a um formulário ideológico pós-Concílio de Trento, que preconizava o catequismo imagético sobre as pesquisas vanguardistas das décadas anteriores, o retábulo alcochetano é uma das realizações que melhor define o seu trabalho, aqui em parceria com o genro António da Costa.Como espaço sagrado quinhentista, a igreja foi escolhida, por vários membros da nobreza local e da hierarquia da ordem de Santiago, para última morada. A maioria destas sepulturas data dos anos finais do século XVI, contando-se a de D. João de Mascarenhas, D. João de Almeida (neto do conde de Abrantes e provedor da Misericórdia) e o panteão da família Viegas, entre outras (ESTEVAM, 2001, 2ªed., pp.50-59). O capítulo mais recente da história da igreja iniciou-se nos finais do século XX. A 15 de Agosto de 1990, era criado o Museu Municipal de Alcochete, cujo pólo de Arte Sacra foi concebido para se instalar no imóvel. Este, foi restaurado para o efeito, com projecto do arquitecto Vítor Mestre, inaugurando-se em 1993 e assumindo, a partir daí, um lugar de verdadeiro destque no roteiro cultural da vila.
Fonte: IPPAR

1 comentário:

bijus da Margarida disse...

Parabéns pelo seu blog. É muito interessante haver alguém que se preocupe em divulgar a história de Alcochete, pena que não fomente tantos comentários como alguns, que há por essa blogosfera, de escárnio e mal dizer, a sociedade está mesmo com uma inversão de valores.