25 maio 2006

Perda e Restauração do Concelho - Parte 1


“(...) a supressão de Concelhos foi uma das principais medidas adoptadas com vista a um aumento do controlo efectivo, aliado à consequente vantagem da poupança dos orçamentos destinados aos municípios (Governo de João Franco promulgou o Código Administrativo de 1896) .

Para tal, a administração Distrital de Lisboa inquiriu os vários municípios, diagnosticando deste modo a sua capacidade efectiva de permanecerem, ou não, com o estatuto de autonomia local. Na época, Alcochete era um concelho do distrito de Lisboa, pelo que estava sob a alçada desta administração. A leitura deste tipo de inquéritos é-nos hoje importante, uma vez que neles se encontram relatadas valiosas informações sobre o estado dos municípios da época. Num documento de 1897, publicado por uma facção que estava a favor da integração de Alcochete no município de Aldeia Galega, encontra-se mencionada uma sindicância feita em 1880 no nosso Concelho. Apesar de não ser uma escrita de todo isenta, uma vez que o recurso ao referido inquérito constitui o principal argumento para fazer valer a ideia da desejada integração, não deixamos de aqui mencionar os aspectos negativos que são apontados à antiga administração alcochetana na década de 80 do século XIX.

São então referidas “Irregularidades, abusos e escândalos, (...) o thesoureiro infiel, que, em proveito próprio ou alheio dissipou o melhor de seis contos de reis em prejuízo do cofre municipal”. Mais à frente refere-se que “o edifício da escola municipal do sexo masculino da freguezia de S. João Baptista (Escola do Rossio) tornado inhabitavel, os paços da Câmara quasi em ruínas, as estradas concelhias ao abandono, uma divida enorme ao hospital de S. José de Lisboa, a percentagem de 50 % addicionada ás contribuições de estado, vexatoros impostos lançados sobre todos os géneros tributáveis, clamavam contra a má administração do concelho (...)*

*"Questões da Actualidade – o extincto concelho de Alcochete e seus antigos munícipes” – Aldeia Galega, 1897, pp. 3 e 4.

Em Março de 1895 surgem os primeiros indícios da intenção do governo do Terreiro do Paço de extinguir uma série de concelhos. Nesta altura chegam da Administração Distrital de Lisboa dois inquéritos a fim de o executivo de então prestar contas do estado do concelho. Apesar de algumas perguntas serem as mesmas para ambos os questionários, merece que se faça aqui a sua transcrição fidedigna, bem como das respectivas respostas. (Aqui deixo apenas um)

Resposta ao questionário que acompanhou o officio n. 93 da Autoridade d´este concelho na data de 12 do corrente

Qual a receita do concelho com designação de própria da instrucção e viação referida ao anno próximo findo?
R. A receita própria da instrucção primária em 1894 foi de 1:683$010 réis, não contando com um saldo importante que na caixa geral de depósitos deve existir a favor d´este concelho; e a receita própria da viação foi 9:826$284 réis em que se compreende a quantia de 7:730$517 réis de saldo que transitou de 1893 para 1894 e bem assim a de 833$746 réis em depósitos na dita caixa geral; e a do Conº não contando com o saldo de 1893 foi de 6:111$942 réis.

A Câmara municipal funcciona em edifício próprio?
R. Funcciona

Quaes as demais repartições publicas que funccionam em edifícios da Câmara?
R. Mais nenhuma

Tem a Câmara contrahido empréstimos?
R. Nenhum

Qual a sua importância?
R. Prejudicado

Tem pago regularmente as respectivas prestações?
R. Prejudicado

Quando termina a amortisação?
R. Prejudicado

Qual a importância das contribuições directas lançadas pela Cam.ª?
R. O producto da contribuição municipal directa lançada em 1894 foi de 4:186$121 réis em que se comprehende a pertencente á instrucção primaria descipta na resposta ao primeiro inquérito.

Tem lançado contribuições indirectas?
R. Tem

Qual a sua importância?
R. A importância das contribuições municpaes indirectas em 1894 foi de 4:415$000 réis.

Tem satisfeito as despesas com o serviço d´expostos?
R. Tem

Tem a Cam.ª satisfeito as despesas com os vencimentos dos finccionarios a cargo do cofre municipal?
R. Tem

Estão em dia os pagamentos das demais despesas obrigatórias?
R. Estão

Qual o estado de viação a cargo da Câmara?
R. Suffrivel

Quaes as obras começadas e não concluídas e respectivos encargos, bem como os de conservação?
R. Não existem obras começadas e com referencia aos encargos de conservação têem estes sempre merecido a especial attenção da Câmara.

Existem estabelecimentos industriaes no concelho?
R. Existem, sendo um dos principaes uma fabrica de phosphoros ordinários e amorphos.

Quaes os capitais em circulação e pessoal empregado?
R. Quanto aos capitais em circulação não se podem precisar por falta de elementos necessários e quanto ao pessoal empregado na referida fabrica e outras industrias sobe o numero a mais de 700 pessoas.

Quaes os ramos mais importantes de comercio do Concelho?
R. O sal – vinho - azeite de oliveira – cortiça - rama de pinha - fachina (farinha?) –carvão - batata e cebolla.

Quanto contribue o concelho para as despesas geraes do estado?
R. O concelho contrubue para o thesouro com a quantia superior a 34:000$000 réis.

Secretaria da Câmara municipal do Concelho d´Alcochete 14 de Março 1895.




Nestes curiosos documentos temos uma imagem de um concelho estável financeiramente, com capacidade autónoma, sem grandes investimentos, apenas com obras de manutenção de algumas estruturas vitais. Apenas se admite o estado suffrivel das estradas concelhias".

(Continua)

In "Memórias de um Concelho - 15 de Janeiro de 1898", 1993.

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