Após a visita de alguns italianos a Portugal para a
demonstração de engenhos subaquáticos na Idade Média, onde apresentaram os
famosos sinos de mergulho, existem escassíssimas
referências, mais difusas, a experiências subaquáticas que ocorreram na época
moderna. Datam aproximadamente do segundo quartel do século XVI os
primeiros relatos conhecidos em Portugal.
O documento mais antigo referente a tais
experiências põe em destaque um João Roiz - embora não datada, outros
elementos indiciam seguramente ter sido redigida no segundo quartel
do séc. XVI. Nela se mencionam uma série de “engenhos” para merecer a atenção e
o dinheiro régios, das quais se destaca pela sua singularidade um equipamento
específico para exploração do meio subaquático.
De acordo com o documento anónimo, aparentemente redigido
por uma outra pessoa, Roiz terá dito “que
muitas vezes acontece em porto de mar ou de rio cair alguma cousa em que as
vezes se perde muita fazenda e por falta de nom poderem andar debaixo d’agoa se
perde muita cousa”. Para corrigir esta situação, João Roiz pretendia proceder a
uma experiência, fazendo com que “vá hum homem abaixo a ter(r)a (sic) e
estê lá espaço que pos(s)a fazer o que for neces(s)ário”.
As novidades prosseguem neste documento
de raro interesse, pois ficamos a saber de uma proposta anterior no mesmo
sentido que não surtiu efeito. Esta indicação sugere que aquele ensaio
consistiria na tentativa de travessia subaquática do estuário do Tejo entre a
povoação de Alcochete, de onde era natural o proponente, e a cidade de Lisboa.
Por isso, Roiz previne o rei contra o cepticismo previsível provocado por esse
prévio fracasso: “Acerqua disto
dirã(o) a Vossa Alteza que será isto como foy ho homem d’Alcouchete (sic) que
dis(s)e que avia de vir por baixo d’agoa a Lixboa digo que isto que eu dito
tenho se pode fazer e se faz em algumas partes fora destes Regnos e acerqua
deste engenho creyo que darey outro milhor que ho que eu vy e que o que se usa
fora daquy eu ho direy a Vossa Alteza e creya Vossa Alteza o que digo poder ser
asy que em estas cousas posso servir a Vossa Alteza se dellas se quiser servir
(...)”. [a carta de proposta encontra-se no Arquivo Nacional da Torre
do Tombo, Cartas Missivas, e foi publicada por Sousa Viterbo, Inventores
Portuguezes (Coimbra, 1902)]
Este documento alude a uma versatilidade
tipicamente renascentista de conhecimentos no campo bélico e náutico, pois
as suas propostas ao rei incluem “engenhos” para fundir artilharia “por menos
preço e menos metal” e avaliação da qualidade da pólvora produzida. Percebe-se
que Roiz estivera previamente envolvido na produção de artilharia e
noutras iniciativas afins em Inglaterra ao serviço de Henrique VIII. Apresentou
também um novo sistema hidráulico a bordo dos navios da Carreira da Índia concebida
para optimizar, duplicando, o rendimento das bombas dos navios
aperfeiçoando modelos anteriores.
Porém, tal como sucedeu a tantos outros empreendedores
subaquáticos, o rasto de Roiz e das suas propostas submarinas perdeu-se no
agitado século de Ouro das navegações portuguesas.
A travessia do “homem de Alcochete” e o “engenho” de João
Roiz para resgate de objectos submersos mostram-se aqui como as primeiras
referências expressamente alusivas a propostas de mergulho com recurso a
equipamentos especialmente concebidos para o meio subaquático de que há conhecimento
em Portugal.
Porém, se é certo que Roiz solicitou o uso exclusivo na
utilização dos seus “engenhos” (provavelmente variantes do sino de
mergulho), desconhece-se a existência da respectiva resposta régia, se bem que
na ausência de qualquer referência ao emprego de tais inventos na costa
portuguesa no reinado em que foi proposto (D. João III), se possa sugerir que
não terão
surtido efeito.
Se a experiência de João Roiz teve efectivamente lugar
supomos que terá sido realizada muito provavelmente utilizando um sino de
mergulho, cuja utilização moderna se iniciou ainda no séc. XVI. Sendo certo
que, por um lado Roiz invoca ter servido um rei inglês, e por outro, justamente
no reinado de Henrique VIII vários mergulhadores venezianos trabalharam em
Inglaterra na tentativa de resgate do navio de guerra da Coroa inglesa Mary Rose afundado em 1545, poderá ter
sido com estes que o português aprendeu a “vir por baixo d’agoa”. De facto, as
derradeiras notícias relativas ao salvamento deste célebre navio ainda
em meados de Quinhentos mencionam a artilharia recuperada entre1545
e 1549 sobretudo pelo mergulhador Piero Paolo, natural de Veneza.
O navio de guerra Mary Rose, jóia da armada de Henrique VIII, retratado pouco antes do seu trágico afundamento. "Anthony Roll" (1546)
Fonte e Imagem: Blog Maritimo