18 agosto 2010

Sociedade Imparcial 15 de Janeiro de 1898 Alcochete



Dos seus fundadores efectivamente nada se conhece. Diz a tradição oral que a Sociedade Imparcial 15 de Janeiro de 1898 terá nascido no mesmo dia da restauração do Concelho de Alcochete (1), sendo considerada por isso (vox populi) a instituição gémea da Câmara Municipal de Alcochete.

A anteriormente chamada Sociedade de Recreio Alcochetense, terá passado a chamar-se, a partir desse dia, Filarmónica 15 de Janeiro de 1898 (2) .

O hino da Restauração, composto por João Baptista Nunes Júnior (música) e por Luís Cebola (letra), terá sido tocado pela primeira vez nesse dia 15 de Janeiro de 1898 (3).
No imaginário colectivo dos alcochetanos ao longo de sucessivas gerações, até mesmo nos nossos dias, paira uma imagem nítida das festas da Restauração, da agitação e do burburinho que se viveu na época, nas imagens recriadas mentalmente em que se vêm as iluminações dos archotes, as barricas a arder e até se consegue ouvir a música a tocar o Hino da Restauração. Para alimentar este sentimento bairrista em muito concorreu o artigo escrito em 1949 pelo Dr. José Grilo Evangelista (4):
(...) A população do Concelho secundou a da Vila com o mesmo entusiasmo. Chorava-se de satisfação. Chorava-se de alegria.

Nas ruas pejadas de gente, abraçavam-se uns aos outros. A filarmónica, reunida à pressa, percorreu as ruas da Vila, no meio de muito povo, de muitos vivas, de muito fogo, tocando o “Hino da Restauração”esse hino que um alcochetano compôs, (João Baptista Nunes Júnior) e que todos nós alcochetanos sabemos cantar e sentir.

Ia, enfim, soar a hora da libertação!

- Duas semanas depois, no dia 30 de Janeiro, entrava solenemente nos seus Paços Municipais, o Arquivo do Concelho de Alcochete, não trazido por um simples oficial de diligências, mas sim pelas mãos fidalgas de D. António Pereira Coutinho, o primeiro presidente do Município restaurado.- Muito propositadamente o fora buscar em pessoa a Aldegalega, o ilustre Marquês de Soydos, com D. João Pereira Coutinho, António Luís Nunes e José Francisco Evangelista.

A população inteira, acompanhada pela filarmónica, esperou, fremente de alegria e comoção, à entrada do Concelho (...) – À noite não houve edifício público, não houve casa particular, rica ou pobre, grande ou pequena, que não iluminasse a sua fachada em sinal de regozijo. – E desta forma começaram as festas da “Restauração”. Eis o seu programa, como outro igual ainda não se realizou em Alcochete: DIA 31 – Alvorada, tocando a filarmónica uma marcha triunfal expressamente escrita pelo maestro Rosa Martins! [segue-se o restante programa desse dia e dos dias 01 e 02 de Fevereiro, passamos para a noite do dia 02] Às 20 ½ HORAS – Grande banquete na sala nobre do Palácio Pereira Coutinho, durante o qual a filarmónica executou vários trechos musicais, e finalmente, como fecho da festa, uma imponentíssima marcha luminosa, apoteose formidável, estranha faixa de luz, melhor, de fogo, alastradora, interminável, por toda a beira-rio, onde dezenas de barricas, alcatroadas, ardiam fantasticamente. E, para tudo haver nessa marcha rubra de calor e frenesi, nem faltaram mãos delicadas de mulheres, sustentando, gentis e orgulhosas, clássicos e portuguesissimos archotes.

- Assim terminaram, exuberantes de alegria e de nobreza, as grandes Festas da Restauração, consoladora recompensa de dois anos de martírio, estupenda manifestação de uma liberdade reconquistada.

No entanto as atribuições de nomes e datas a esta colectividade não são pacíficas, havendo falta de documentação que as confirme efectivamente, temos em mãos apenas alguns documentos e um grande conjunto de conjecturas relativamente às origens da Sociedade.

Uma das evidências escritas, nas quais nos podemos apoiar, é a pequena monografia escrita em 1902 pelo Coronel Avelino Ramos da Costa (5) que nos dá notícia de:
Desde 1898 que no dia 15 de Janeiro de todos os annos se realisam imponentes festas organisadas pela “Sociedade de Recreio 15 de Janeiro de 1898” que data da restauração do Concelho. Costumam ser revestidas de grande brilho e grande concurso de povo e ainda n’este anno veiu partilhar da alegria dos alcochetenses a bella banda da Ribeira de Santo Estevão acompanhada de muito povo da mesma localidade. (...) Possue a villa um pequeno e modesto theatro na sede da “Sociedade 15 de Janeiro” que é sua administradôra. N’esse theatro tem sido representadas algumas peças originaes e outras já conhecidas dos palcos da capital, habilmente desempenhadas pelo grupo dramático da referida sociedade que teve sempre visto coroádos do melhor exito todos os seu trabalhos e que é digno dos maiores elogios e da maior consideração do povo alcochetense por vêr n’esse punhado de homens um conjunto de verdadeiros pugnadôres pelo estabelecimento, em Alcochete, d’essa bella escola onde o espírito afina a intelligencia. (...) Quem superintende no theatro actual é a direcção da “Sociedade 15 de Janeiro” que tem sido incansável em a fazer prosperar anno para anno.

Essa Sociedade possue uma esplendida banda composta por 33 figuras. Habilmente dirigida e ensaiada pelo digno regente o maestro Sr. Esteves Graça que tem o seu nome ligado a varias obras theatraes cuja música é de sua composição.

Já tem sido ouvida na capital por varias vezes, sendo sem favor considerada uma das melhores do Ribatejo.

Com este texto conseguimos apurar várias coisas importantes: primeiro, que, segundo nos diz o autor, a Sociedade data da restauração do Concelho, segundo, que se realizam desde 1898 grandes festas de comemoração da restauração e estamos ainda em 1902, apenas 4 anos depois! De seguida apuramos que a Sociedade tem duas actividades distintas: o teatro e a música, por último, talvez o mais importante, a banda de música era já considerada uma das melhores do Ribatejo!

Também datado de 1902, um artigo da Gazeta Sul do Tejo (6) surge como reforço desta informação: Desde 1898 até 1902, o dia 15 de Janeiro é solemnemente festejado, porém este anno celebraram-se ruidosos festejos que certamente ficarão gravados nos corações de todos os que tiveram a ventura de a elles assistirem.

Na quarta-feira ás 6 horas da manhã, a phylarmónica 15 de Janeiro, que também celebrava o aniverário da sua fundação, tocou a alvorada na séde da sociedade, percorrendo depois as ruas da Villa, partindo ás 9 horas, acompanhada de numerosos populares, para o Rio das Enguias, esperar a phylarmónica de Santo Estevam, que obsequiosamente veio tomar parte nos festejos e compartilhar com a sua vinda da alegria de todos os alcochetenses.

Ás 9 e 45, faziam-se os cumprimentos do estylo e ás 10 percorriam as ruas da Villa, executando os Hymnos da Restauração do Concelho e da Carta, na sua maior fraternidade.

A recepção calorosa e expontanea feita áquella sociedade foi a prova mais evidente da estima e consideração que nos merece esse povo pequeno no número de habitantes, mas grande nas suas nobres qualidades e apreciaveis predicados. (...)

Ás 9 horas da noute, no theatro D. Manuel que tinha uma enchente colossal e deveras selecta, realisou-se um grandioso sarau dramatico-musical. Começou a primeira parte pela execução primorosa do lindo Hymno da Restauração do Concelho pelas duas phylarmónicas Alcochetense 15 de Janeiro e a da Ribeira de Santo Estevam. (...) A orchestra executou primorosamente a symphonia “Toujours Galant, por Esteves Graça (...) A orchestra, composta por eximios professores d’esta Villa, foi habil e distintamente dirigida pelo incansável e apreciado maestro Esteves Graça, regente da banda 15 de Janeiro.

Do ano de 1903 surge o primeiro hino, conhecido, que foi feito à Sociedade pelo referido regente Esteves Graça, na capa da partitura podemos ler a inscrição: Hynno da “Sociedade Phylarmonica Alcochetense” – offerecido – por Esteves Graça – Lisbôa 15 de Maio de 1903 (7).

Num depoimento dado pelo Senhor Francisco Boieiro Nunes Rodrigues (conhecido por Chico Nunes), um dos actuais membros da Direcção da Sociedade, temos outra pista, se bem que sem confirmação efectiva, de que a banda estaria a funcionar em 1904, já com outro regente: “O meu avô Joaquim Boieiro foi regente, naquela altura chamava-se regentes, hoje são mestres ou maestros, foi realmente, não durante muito tempo, penso que não, foi regente da Banda de Alcochete, onde eu cheguei a lêr no tal livro que me desapareceu, os anais de Alcochete ou coisa assim do género, que a inauguração da carreira fluvial Lisboa-Alcochete/Alcochete-Lisboa, foi portanto inaugurada onde esteve presente a Banda de Alcochete, com o regente Joaquim Boieiro, sei que foi em 1904, disso tenho a noção, mas parece-me que foi em Fevereiro ou em Abril.”

Com data provável de 1905 ou 1906, temos uma fotografia da Banda com a regência, á época, do Senhor Joaquim José de Carvalho.



Primeira foto (Acima publicada) conhecida da Banda da Sociedade Imparcial 15 de Janeiro de 1898, cerca de 1905/6. Identificam-se várias pessoas além do Regente: Joaquim José de Carvalho (sentado ao centro sob a bandeira); do lado direito deste: João da Costa Godinho; do lado esquerdo do regente: Cristiano José Sarola; em pé na segunda fila o primeiro do lado direito: José Maria Marreco (pintor); sentado na segunda fila o segundo a contar da direita: Artur Augusto Rodrigues; deitado no chão: Joaquim Tomaz da Costa Godinho.
Num roteiro da Estremadura em 1908 Alberto Pimentel (8) informa que: O actual theatro é modesto e acanhado; mas pensa-se em construír um que satisfaça as justas aspirações da terra.

Ha uma philarmónica, denominada 15 de Janeiro de 1898 (data da restauração do Concelho de Alcochête); é composta de 33 figuras.

Sem outros dados absolutos podemos, baseando-nos apenas nos factos acima referidos, afirmar que havia uma Sociedade com uma Banda filarmónica no activo em 1898, que terá durado pelo menos até 1908. Retiradas essas evidências restam-nos outras questões: que tipo de agremiação, colectividade ou pequeno grupo existiria antes de 1898?

Como surgiu este conjunto dos primeiros músicos que apareceram a tocar na Restauração?

De onde vem o nome de Imparcial?
Voltando ao campo das conjecturas, numa entrevista dada pelo então Presidente da Sociedade António Neto Salgado em 1989 (9)este afirma que no Sec. XIX havia os bailes de roda com uma fogueira no meio, havia as guitarras, os guitarristas de Alcochete, a Tuna que era um Solidó, era um conjunto de guitarras, bandolins e violas e foi desta Tuna que nasceu a Sociedade.

A Sociedade nasceu como eu digo, da Tuna de Alcochete, mas também incluia instrumentos metálicos, concretamente corneta e saxofone, etc., e há quem diga que não, que foi mesmo no dia 15 de Janeiro que a banda nasceu, mas não podia, porque para vir tocar o Hino da Restauração do Concelho, tinha que haver instrumentos e tinha que já se ter ensaiado, logo a Sociedade nasceu antes de 15 de Janeiro de 1898.

No jornal A voz de Alcochete, de Janeiro de 1952, João Lusitano (10) fala da proliferação das sociedades de recreio e filarmónicas nos finais do séc. XIX por todo o País, salientando o facto de Alcochete se ter atrasado nesse campo, chegaram ao final do século passado apenas com um sol-e-dó, ainda que composto de optimos elementos. Mas o entusiasmo da Restauração e a boa vontade de todos em promover o levantamento da terra, já então em grande crise, deu-nos a Sociedade, que tomou o nome de imparcial para que dela pudessem fazer parte todos os alcochetanos , quer fossem progressistas, quer fossem regeneradores, ou doutras cores politicas ou mesmo de nenhuma. Sociedade Imparcial queria dizer que não tinha politica nenhuma. (...) Num ápice de fez tudo. Arrendou-se uma casa apropriada, a antiga casa do Valentim, e nela se montou um palco para representações teatrais, adquiriu-se um instrumental valioso; instruíram-se músicos; apareceram actores; e surgiu a filarmónica que foi famosa.
Fala depois de alguns músicos da época salientando um que mais se destacou: Francisco José: habil cornetim, que chegou a ser mestre da filarmónica e exímio guitarrista, e que em Lisboa marcou posição de relevo no seu tempo. Foi também mestre de uma charanga a bordo de um paquete da carreira de África, e a ele se refere com simpatia o comandante Couvreur de Oliveira num dos seus livros. (...) Cito ainda mais um nome: João Baptista Nunes Júnior, excelente pianista e autor do Hino da Restauração, cuja letra foi escrita pelo Dr. Luís Cebola, nosso ilustre conterrâneo. Creio que não fizeram parte da filarmónica esses notaveis artistas.

Mais dúvidas se acumulam agora depois deste relato e para aumentar a discórdia um artigo de 1989 da autoria de Luíz Santos Nunes intitulado O despertar da música em Alcochete (11), em que o autor defende que por volta de 1855 um grupo de 3 irmãos da familia Nunes junto com um sobrinho e um grupo de amigos formaram a primeira filarmónica a que chamaram Sociedade Recreio Alcochetense, mantendo-se a mesma em actividade até à Restauração do Concelho em 1898. Foi, segundo Luíz Nunes, esta filarmónica que tocou nos festejos da Restauração e dada a euforia que se vivia então e o facto de terem já falecido os mais velhos músicos, que fez com que a filarmónica fosse renovada e adoptasse o nome de Filarmónica 15 de Janeiro Alcochetense.

Para que a confusão se instale de vez, passamos a citar a restante informação fornecida pelo autor: Esta filarmónica teve pouca duração, cerca de três anos, como consequência da saída voluntária do seu maestro em 30 de Maio de 1901, por motivos particulares, segundo a invocação apresentada pelo próprio no ofício de pedido de exoneração enviado à Direcção da Sociedade. E a filarmónica acabou. Depois de um interregno de cerca de 12 anos, em que deixou de existir, na nossa Vila Sociedade do género filarmónica e tendo voltado a calma ao espírito do povo, passados dois anos sobre a implantação da República (5 de Outubro de 1910), agitados ainda pela política dominante na altura, e pela cisão em dois grupos, ou partidos, Quelhas e Escalas, verificada entre os trabalhadores das descargas do carvão no Estuário do Tejo (Belém), que teve preocupantes repercussões, localmente, corre na Vila Alcochetana, pelos fins de 1912 a notícia de que estava em organização uma nova Sociedade Filarmónica (...) Com o passar do tempo, chega-se ao mês de Janeiro de 1913 e é então confirmada a existência da nova colectividade musical, baptizada com o nome “Sociedade Imparcial 15 de Janeiro de 1898”
Parece-nos pouco provável que a Banda tenha deixado de existir durante uma década, pois a informação acima apresentada contesta esta opinião, pois já vimos evidências da sua existência pelo menos até 1908.

De onde terá então surgido a informação de que a Sociedade deixou de existir? Só porque se demitiu o regente? Já vimos também que os regentes naquela época se sucediam uns aos outros com grande facilidade, e o nome Imparcial, terá a ver com os dois grupos de trabalhadores específicos, ou terá mais a ver com monárquicos e republicanos no geral?

Sem que possamos ter muitos factos palpáveis sobre as suas origens, temos no entanto uma certeza, no Salão Nobre da sua sede, vemos afixado um documento que atesta o seguinte: a partir do dia 22 de Novembro de 1924 a Sociedade Imparcial 15 de Janeiro de 1898 foi efectivamente constituída na 3ª repartição do Governo Civil de Lisboa e autorizada a funcionar.

A partir daqui tudo foi um crescendo, com mais ou menos dificuldades, a Sociedade nunca deixou de funcionar e cedo se transformou na referência cultural do Concelho, com um papel social de relevo na formação de gerações e gerações de músicos ao longo de todo o século XX até aos nossos dias, dando um sentido à vida de centenas de trabalhadores que tinham na música e na Sociedade o seu descanso, as suas férias, a sua força para enfrentar mais um dia de trabalho duro, seguramente mal pago, mas que se sentia um pouco mais leve por causa do amor à música...