31 julho 2007

Alcochete Arqueologico

Em visita ao site do Instituto Português de Arqueologia, deparei-me com inúmeros locais arqueológicos do concelho. Alguns conhecidos por todos, mas outros revelaram em mim alguma surpresa. Aqui ficam os links dos processos abertos pelo IPA e as suas breves descrições.

Vale da Palha 1
Antiga Fábrica da Firestone
Monte Laranjo
Conceição
Alcochete
Alcochete (Salinas de Camarate)
Cascalheira
Batel
Moinho do Manuel da Costa
Samouco/Bairro da Esperança
Alto da Pacheca
Porto dos Cacos
Forno do Alto do Castelo
Alcochete - Rua Facco Viana/Largo da Misericórdia
Alcochete - Largo do Troino
Alcochete - Rua Diário de Notícias
Alcochete - Rua São João de Deus/Rua do Catalão
Alcochete - Largo António dos Santos Jorge
Quinta da Praia 2
Quinta da Praia 1
Quinta da Praia 3
Santo António d'Ussa
Fonte da Raposa
Vale Simões
Vale da Palha 2
Vale da Palha 3
Vale da Palha 4
Caparica 1
Ponte da Caparica 1
Ponte da Caparica 2
Vale Sorrechão 1
Vale Sorrechão 2
Vale do Rafeiro 1
Vale do Rafeiro 2
Convento de São Francisco / Igreja de Santa Maria de Sabonha
Herdade da Barroca de Alva 1
Herdade da Barroca de Alva 2
Herdade da Barroca de Alva 3
Herdade da Barroca de Alva 4
Herdade da Barroca de Alva 5
Herdade da Barroca de Alva 6
Alcochete - Ânfora

27 julho 2007

Património VI - Nucleo Antigo Alcochete



Descrição

Núcleo de origem medieval organizado em torno da Praça Pública (actual Largo da República), local onde se localizavam os Paços do Concelho e o Pelourinho. Do largo de planta quadrangular partem artérias no sentido NO, E., SE. e SO. A expansão quinhentista e seiscentista da vila encontra-se associada ao traçado da Rua Direita (actual Rua Comendador Estevão de Oliveira) e a alguns solares na envolvente do núcleo antigo, cujas cercas vão marcar o traçado das ruas. A Rua Direita (actual Rua Comendador Estevão de Oliveira) ocupava a frente ribeirinha NO., unindo o Largo da Misericórdia ao Largo Miguel Bombarda (actual Largo António dos Santos Jorge) e ligando-se à Praça Pública (actual Largo da República) através da Rua do Paço e da Rua do Talho. A expansão oitocentista realizou-se para NO., na zona denominada Barrocas do Mar, onde, após o aterro da área entre os dois promontórios, foi construído o Bairro das Barrocas, com traçado regular composto por sequência de quarteirões estreitos e paralelos, perpendiculares à frente ribeirinha e à Rua Direita (actual Rua Comendador Estevão de Oliveira). A expansão realizou-se também, paralelamente ao rio, no sentido SO., pela Rua João Gonçalves, Rua e Largo do Troino, ao longo do Rossio (actual Largo Barão de Samora Correia) e da Rua da Praia (actual Avenida D. Manuel I), e prolongando a área edificada até ao Largo Marquês de Soydos onde se localiza o Solar da Quinta da Praia das Fontes . A fase de expansão novecentista caracterizou-se pela justaposição de uma área com traçado ortogonal para N. e E.-NE. do Largo de S. João e da envolvente da Igreja Matriz limitada pelo Largo da Feira. O traçado do núcleo antigo estruturou-se em torno da Praça Pública (actual Largo da República) a partir da qual saem os eixos de ligação: ao Terreiro de S. João (actual largo de S. João) e à Igreja Matriz para E.; à Rua Direita (actual Rua Comendador Estevão de Oliveira) para N.; e ao Rossio (actual Largo Barão de Samora Correia) para SO. Envolvia o núcleo antigo, no sentido SO.-NE., um eixo que partia do Largo Coronel Ramos da Costa, pela Rua João de Deus, Largo D. Luís Pereira Coutinho (actual Largo da Revolução), até ao Terreiro de S. João, (actual Largo de S. João). A partir do séc. 19, estruturou-se um novo eixo de circulação, a partir do Largo da Misericórdia rodeando o Bairro das Barrocas, passando pela R. do Norte, Largo da Cova da Moura e Largo Moysém (actual Av. dos Combatentes da Grande Guerra). Os largos, elementos polarizadores da malha urbana da vila de Alcochete, encontram-se associados à presença de solares. Como espaço fundacional, a Praça Pública (actual Largo da República), de forma quadrangular, constituía o centro do núcleo, onde se localizavam os Paços do Concelho e o Pelourinho e onde actualmente existe um solar setecentista, cujo proprietário original é desconhecido. Afastados do centro, o Terreiro de S. João (actual Largo de S. João) e o Largo da Misericórdia, marcam os limites quinhentistas. O Largo de S. João, de forma trapezoidal, ocupa o espaço fronteiro à Igreja Matriz ; aqui se localizavam o antigo Solar dos Pereiras (actual edifício dos Paços do Concelho) e o desaparecido Solar dos Condes de Unhão Teles de Menezes. Na frente ribeirinha, o Largo da Misericórdia, de forma poligonal, é delimitado pela Igreja da Misericórdia de Alcochete e pelo Solar dos Netos. O Largo Miguel Bombarda (actual Largo António dos Santos Jorge), de forma poligonal, resulta da intercepção da Rua Direita (actual Rua Comendador Estevão de Oliveira) com o solar quinhentista dos Monizes Lusignano (actual edifício da Sociedade Imparcial 15 de Janeiro de 1898) e o Bairro das Barrocas, construído no aterro realizado durante o século 19 entre os dois promontórios, afastando a frente ribeirinha que definia o lado N. da Rua Direita (actual Rua Comendador Estevão de Oliveira). O Largo do Troino, de forma triangular, resulta da expansão do centro urbano para SO. - limitada a SE. pelo solar provavelmente quinhentista onde se encontra instalada a Biblioteca Municipal - no sentido do Largo Barão de Samora Correia, o antigo Rossio, onde, no séc 19, a construção do solar de João Ferreira Prego, 1º Barão de Samora Correia (actualmente Asilo Barão de Samora Correia), iniciou a ocupação deste espaço como frente urbana. O actual Largo Marquês de Soydos, de forma triangular, resultou da doação do terreno fronteiro à Quinta da Praia das Fontes que o 5º marquês de Soydos fez ao município, com a condição de aí ser criado um passeio público. Os largos João da Horta, de forma poligonal, e Coronel Ramos da Costa, de forma triangular, constituem uma unidade espacial, limitada a SE., no seguimento da Rua João de Deus o no sentido do eixo do núcleo antigo que conduzia a Aldeia Galega (actual Montijo). Aqui se localizam o solar da família Ramos da Costa e da família António da Cruz. O Largo D. Miguel Pereira Coutinho (actual Largo da Revolução), de forma triangular, resulta da confluência da Rua João de Deus, onde se localiza o solar da família Dias da Cruz, com a Rua António Maria Cardoso e o Terreiro de S. João (actual Largo de S. João). Os largos Almirante Gago Coutinho, onde se encontra a Igreja Matriz ; da Feira, no limite E.; e o Largo da Cova da Moura, no Bairro das Barrocas, resultam da expansão urbana novecentista, não estando associados à preexistência de solares. O tecido parcelar é predominantemente composto por lotes de configuração irregular, nas áreas de origem medieval, quinhentista e seiscentista, e por lotes de forma quadrangular nos períodos de expansão oitocentista e novecentista. O Bairro das Barrocas é caracterizado por lotes quadrangulares, alguns dos quais actualmente emparcelados. Os quarteirões a E./NE. da Igreja Matriz apresentam forma quadrangular, integrando nos seus logradouros pátios. O espaço edificado é envolvido pela presença polarizadora da arquitectura religiosa: a Igreja Matriz a E.; Igreja da Misericórdia a NO; e a Capela de Nossa Senhora da Vida a N. A arquitectura é na sua maioria residencial, com adaptações comerciais e de serviços. A volumetria varia entre um e quatro pisos, predominando as casas com um e dois pisos. Nas áreas de expansão oitocentista e novecentista (Bairro das Barrocas, Rua do Rato, actual Av. 5 de Outubro, Rua João Gonçalves, Rua Beato Manuel Rodrigues, Rua do Norte), assinalam-se lotes habitacionais de casas térreas em banda. O armazém constitui outro tipo com alguma representatividade, definido por construção térrea, de planta predominantemente rectangular, com telhado de duas águas e empena na fachada voltada para a rua. Destaca-se a presença de casas que apresentam a empena na fachada principal. Os tipos dominantes referem-se à casa térrea e à casa com dois pisos. De entre estas, salienta-se o revestimento azulejar de algumas fachadas, a decoração das platibandas, com balaustradas e peças cerâmicas (estátuas, jarrões, pinhas) e a guarnição das janelas de sacada com varandins, em ferro forjado e fundido, também aplicado nas bandeiras e postigos das portas: Casa dos Bustos ; Casa Moysém; Vivenda Matilde . As casas com dois ou mais pisos conjugam frequentemente a utilização comercial do piso térreo com a habitacional dos pisos superiores. O solar constitui um tipo caracterizado pela conjugação da casa com dois pisos e o pátio, armazém e estábulo, destacando-se pela sua volumetria, implantação, ritmo e decoração dos vãos: Casa no Largo do Troino (Biblioteca Municipal), antigo Solar dos Patos (actual Centro Paroquial Padre Cruz) , antigo Solar dos Netos , Solar dos Monizes Lusignano (actual edifício da Sociedade Imparcial 15 de Janeiro de 1898), Antigo Solar dos Pereiras (actual edifício dos Paços do Concelho), Solar dos Soydos (actual Quinta da Praia das Fontes). O conjunto integra duas áreas verdes públicas: o antigo Passeio Público, constituído pelo Rossio (actual Largo Barão de Samora Correia) e uma área de 14500m2, doada ao município em 1875 por D. António Luís Pereira Coutinho, para construção de um passeio público (actual Largo Marquês de Soydos); e outra, no Largo Almirante Gago Coutinho, do lado N. da Igreja Matriz (1956).

Descrição Complementar


A estatuária está representada de forma significativa: busto do Padre Cruz, erigido em 1953, localizado no Largo de S. João, actualmente no Centro Paroquial de Alcochete, de autor desconhecido; estátua do Padre Cruz, no Largo de S. João, inaugurada em 1969, da autoria de Luís Valdêz Castelo Branco; estátua do rei D. Manuel I, no largo Marquês de Soydos, inaugurada em 1970, da autoria de Vasco Pereira da Conceição; busto de Carlos Ferreira Prego, 3º Barão de Samora Correia, no largo com o mesmo nome, erigido em 1957, de autor desconhecido; escultura de homenagem ao Forcado, no Largo João da Horta, erigida em 1989, da autoria de Sérgio Stichini; estátua do Salineiro, na Praça da República, implantada em 1985, da autoria de Francisco Simões. Quanto ao mobiliário urbano, destaca-se o Coreto integrado no jardim lateral à Igreja matriz, inaugurado em 1956.


Época Construção
Séc. 13 / 15 / 16 / 19 / 20


Cronologia


1224 - D. Sancho II doou a póvoa de Alcochete à Ordem de Santiago;
1249 - criação, no termo de Alhos Vedros, da paróquia de Nossa Senhora da Sabonha, que incluía as póvoas de Aldeia Galega e Alcochete;
séculos 14 / 15- Vasco Gil Moniz mandou edificar o solar dos Monizes de Lusignano, actual edifício da Sociedade Imparcial 15 de Janeiro de 1898; D. João I tinha um paço real em Alcochete. O infante D. João, mestre da Ordem de Santiago, concedu a Alcochete o estatuto de sede da Ordem. D. João II estabeleceu residência em Alcochete, elevando-a a vila. O infante D. Fernando estabeleceu-se em Alcochete. Construção da Igreja Matriz; 1469 - nascimento em Alcochete do futuro rei D. Manuel I; século 16 - 1515- D. Manuel I atribuiu carta de foral a Alcochete - A nobreza instala-se em Alcochete construindo aqui os seus solares; desta época datam o Solar dos Netos, reconstruído sobre fundações do século 15, o antigo Solar dos Patos (actual Centro Paroquial de Alcochete), o Solar dos Pereiras (actual edifício dos Paços do Concelho), o desaparecido Solar dos Condes de Unhão Teles de Menezes, o solar onde se encontra instalada a Biblioteca Municipal; 1547 - D. Sebastião concede aos oficiais que trabalhavam nos estaleiros de construção naval em Alcochete direitos iguais aos que trabalhavam na Ribeira das Naus; 1563 - edificação da Igreja da Misericórdia; 1577 - Afonso Figueiredo mandou edificar a Ermida do Espírito Santo; século 17- realizou-se a primeira grande campanha de obras na Igreja Matriz. Fernão Patto Correia mandou construir a Casa dos Pattos (Solar dos Soydos); século 18 - Jacôme Ratton estabeleceu-se na Barroca D'Alva, promovendo o desenvolvimento económico da região; século 19 - construção, em madeira, de ponte-cais de apoio ao transporte fluvial de bens e pessoas entre Alcochete e Lisboa; construção do Bairro Novo, no aterro da zona denominada Barrocas do Mar; - construção do Bairro Moisém 1875; - D. António Luís Pereira Coutinho doou à Câmara Municipal uma área de 14000m2, destinada a Passeio Público; 1837 - João Ferreira Prego, 1º Barão de Samora Correia, mandou construir um solar, em terrenos adquiridos à Câmara Municipal; 1866 - inauguração da Escola Primária Conde de Ferreira; 1895 - o concelho de Alcochete é anexado ao de Aldeia Galega (Montijo), por decreto de 26 de Setembro; 1898 - restauração do município, por decreto de 15 de Janeiro; século 20 - construção da ponte-cais em betão



Tipologia

Núcleo urbano ribeirinho, organizado a partir de póvoa régia medieval, definido por sequência de quarteirões mais ou menos irregulares em torno da Praça Pública e afastado da Igreja Matriz, localizada a E., no Terreiro de S. João. Expansão paralela à margem do rio, em parte já derivada da implantação, nos séculos 15 / 16, da Ermida do Espírito Santo e da Igreja Misericórdia. O traçado da Rua Direita, tangencial ao núcleo fundacional, com orientação O.-E., liga o Largo da Misericórdia ao Terreiro de S. João. Enquanto elementos polarizadores, os solares encontram-se associados a largos e definem o traçado de eixos secundários. A expansão urbana da vila, que ocorre durante o século 19, ultrapassa os antigos limites no sentido NE.-SO., ao longo da Rua da Praia, com construção de armazéns, e do Rossio, com habitações. Para N., a expansão fez-se com a construção do Bairro das Barrocas, constituído por uma estrutura de arruamentos, paralelos entre si e perpendiculares à frente ribeirinha. Nesta época, a transferência dos Paços do Concelho da Praça Pública para o Terreiro de S. João criou um novo centro da vila, a partir do qual se desenvolveu a expansão do século 20. O crescimento urbano verificado a partir da primeira década do século 20, obedecendo a uma estrutura viária ortogonal, desenvolve-se a N. do Terreiro de S. João e na envolvente da Igreja Matriz, caracterizada por casas de dois pisos, nas quais se destaca a profusa decoração novecentista de algumas fachadas e casas térreas. Fortes afinidades tipológicas com outros núcleos antigos da margem S. do estuário do Tejo, tais como o Seixal e o Barreiro.


Dados Técnicos

Paredes autoportantes, em adobe, alvenaria de pedra, alvenaria mista, alvenaria de tijolo; reboco de cal e areia, reboco de cimento; pontual revestimento azulejar das fachadas; janelas de duas folhas; pavimentos calcetado com pedra calcária e empedrado

Materiais


Pedra: calcário conquífero. Terra. Cerâmica: tijolo, telha de meia cana, de aba e canudo, telha marselha. Ferro forjado, ferro fundido.

Observações


A delimitação proposta nesta ficha para o Núcleo Antigo de Alcochete inclui a delimitação de núcleo antigo definida no Plano Director Municipal (PDM), acrescentando todos os quarteirões a E. e NE. da Igreja Matriz, completando também a frente da Av. 5 de Outubro. A delimitação do PDM data dos anos 90 do séc. 20, e materializa uma proposta de centro histórico elaborada nos anos 80, no Plano Geral de Urbanização da vila, que não chegou a ser aprovado. Não obstante, a população de Alcochete, apesar de conhecer bem os limites da "vila antiga" e da "vila moderna", associa a expressão "centro histórico" não à delimitação actual, mas à zona das igrejas Matriz e da Misericórdia e ao Bairro das Barrocas, chegando, muitas vezes, a afirmar ser este bairro oitocentista a zona mais antiga da vila, mostrando uma representação espacial claramente distinta dos limites elaborados pelos técnicos. A origem árabe do topónimo "Alcoxete" parece comprovada, sendo o plural da palavra "Alcocha", que significa "forno" e que é atestada pela referência à existência na região de fornos de cerâmica e de cal, em virtude da abundância de combustível lenhoso. No entanto, a tradição oral e escrita da fundação árabe do povoado, carece de dados que a comprovem. Festividades locais: o Círio dos Marítimos ao santuário de Nossa Senhora da Atalaia realiza-se na Páscoa; esta celebração, com origem conjectural no século 16, está associada às classes profissionais ligadas à construção naval, pesca e transporte fluvial, actividades com tradição histórica em Alcochete. Procissão da Nossa Senhora da Vida em Agosto: festa dedicada a Nossa Senhora da Vida, que tem a sua origem no século 17, por iniciativa da irmandade de Nossa Senhora da Vida, reorganizada por Nuno Álvares Pereira Velho de Morais, tendo como centro a Capela de Nossa Senhora da Vida, antiga Ermida do Espírito Santo. Na procissão, que tem lugar em Agosto, durante as festas do Barrete Verde e das Salinas, a imagem de Nossa Senhora da Vida chega pelo rio, transportada numa embarcação tradicional. Festas do Barrete Verde e das Salinas, realizadas desde 1944, ocorrem durante a segunda semana do mês de Agosto: festa de carácter regionalista, invoca as figuras do forcado, do campino e do salineiro, através de decorações alusivas, que enfeitam as ruas da vila. As largadas de toiros nas ruas da vila são a principal atracção. Feriado municipal: 24 de Junho, dedicado a S. João Baptista; em Alcochete, região marcadamente rural, as festividades prolongavam-se por três dias, durante os quais, a par da componente cristã, aconteciam manifestações populares de origem pagã, como, por exemplo, o acender de fogueiras nos largos da vila, nas noites de arraial.

Autor e Data
Filipa Ramalhete / Francisco Silva 2003

04 julho 2007

As Festas do Barrete Verde






São celebradas em homenagem ao forcado, ao salineiro e ao campino. São realizadas todos os anos durante quatro dias, não faltando as festividades taurinas com particular destaque para as largadas de touros. Um dos momentos esperados da festa é o de sábado à noite com a tradicional sardinhada em que, pelas ruas típicas da vila são oferecidas sardinhas assadas, pão e vinho. Na vertente religiosa, o ponto alto da festa é o da procissão por terra e mar com a imagem de Nossa Senhora da Vida que chega à vila a bordo de uma embarcação típica do Tejo.


O brilhantismo da cultura alcochetana


As Festas do Barrete Verde e das Salinas de Alcochete iniciam-se, habitualmente, dois dias antes do segundo Domingo do mês de Agosto e reflectem o mais nobre sentimento da tradição ímpar de uma vila ribeirinha, desde sempre fiel, orgulhosa e merecedora dos seus desígnios, da sua cultura. Exultam a Festa Brava, a verdadeira essência, a verdadeira alma, que dá corpo a estas festividades, ou não fosse Alcochete inigualável na forma como comemora e pratica o culto da tauromaquia.


A noite mais longa do ano em Alcochete


As festividades atingem o clímax logo no primeiro sábado, com a realização da Noite da Sardinha Assada. As ruas, becos e ruelas engalanados, vestem-se de cor para receber um indescritível mar de gente. Nesta noite, o Tempo parece parar e Alcochete é, por momentos, o centro do Mundo. Nos improvisados fogareiros de rua, «estalam» sardinhas, febras, couratos... o que houver. Nada mais importa, salvo a confraternização, a alegria, os abraços da tão típica saudade portuguesa, que faz gritar corações. Afinal, é tempo de reencontro com a família para os muitos que regressam à sua terra natal depois de um ano de trabalho lá fora; é, para outros, tempo de rever amigos e receber forasteiros, amigos do nosso amigo, ou absolutos estranhos, mas que nesta noite passam a partilhar dos atributos da orgulhosa família Alcochetana... Ah! já lá vem a charanga, com um som contagiante e rodeada de uma multidão de foliões. Agora, já só a noite manda. Até o Sol raiar, Alcochete canta e dança... é Noite da Sardinha Assada e «... é só gente da borda d”água».

Páginas da cultura portuguesa


Carismática desde sempre é, também, a realização da homenagem às três figuras centrais que os festejos honram – o forcado, o salineiro e o campino. Uma tradição distinta, assinalada no dia de abertura das celebrações e precedida por um cortejo de invulgar composição e beleza, um verdadeiro símbolo das Festas do Barrete Verde e das Salinas. Não só pela beleza que encerra em si, como também pela forma como é levada a efeito, por Mar e por Terra, a Procissão em Honra de Nossa Senhora da Vida, no Domingo, é outro dos momentos altos. É a fé de mãos dadas com a devoção a fluir numa terra onde a tradição, exibida com orgulho e brilhantismo, segue os mais fortes pergaminhos da cultura portuguesa. Depois, as tradicionais largadas, a par da vertente dos espectáculos musicais, que decorrem ao longo dos dias de comemorações, enchem as ruas, no primeiro caso, e o Largo de São João, no segundo, com verdadeiras multidões, envoltas em frenéticas ondas de êxtase e alegria.


Historial das Festas


Apesar de centrar a sua homenagem em três figuras da cultura local – o forcado, o salineiro e o campino –, as Festas do Barrete Verde e das Salinas não se dissociam dos predicados religiosos. Aliás, surgiram na sequência das extintas Festas em Honra da Nossa Senhora da Vida, que segundo alguns autores já se realizavam no século XVII. Com a inclusão de uma corrida de toiros na programação destas festividades, em Agosto de 1930, aliando-se assim o cariz religioso à vertente profana, abriu-se caminho para o surgimento das actuais Festas do Barrete Verde e das Salinas. As Festas de Nossa Senhora da Vida, então a cargo da Sociedade Imparcial 15 de Janeiro de 1898 de Alcochete, sofrem um interregno (que viria a ser definitivo) entre 1936 e 1940, mantendo-se, durante este período a realização da corrida de toiros, assegurada que foi por uma comissão da Santa Casa da Misericórdia. Aproveitando a realização desta já habitual corrida, José André dos Santos, jornalista e Alcochetano, faz nascer o primeiro «Barrete Verde». Estávamos então em Setembro de 1941, quando a romaria – que começou por se denominar «Festas das Salinas e do Barrete Verde» – teve início. A organização da iniciativa pertenceu à Santa Casa, com os concursos da Câmara Municipal, de Samuel Lupi dos Santos Jorge e de José André dos Santos, e com a colaboração da Sociedade Imparcial. Ainda nesse ano, nasceu o primeiro grupo de «Meninas do Barrete Verde».Em 1942, as Festas são organizadas com a colaboração e concurso da Santa Casa e da Sociedade Imparcial e ganham a designação actual. No ano seguinte, surgem as primeiras dificuldades: a Santa Casa abdica da organização dos festejos e a Sociedade assume o ónus com o apoio da Autarquia. Começa-se, então, a projectar uma comissão que se responsabilize anualmente pelas Festas.


In: Solares de Portugal

02 julho 2007

A Ultima Marinha



Em meados do século XX,
dezenas de salinas espraiavam-se
ao lado do Tejo e a extracção
do sal era a actividade económica
mais importante de todo
o concelho de Alcochete.
Hoje, em laboração, apenas
subsistem as Salinas do Brito.
É aí que se situa o Museu do Sal,
activo e dinâmico,
mantendo viva a tradição





Ocupação ancestral, em Alcochete, perde-se no tempo a origem da faina do sal. A descoberta, em Porto de Cacos, de ânforas romanas que serviriam provavelmente para guardar preparados de peixe faz pensar que já na época se faria a recolha de sal na região. Porém, de seguro, apenas os registos dos cronistas que ascendem à dinastia de Borgonha e a certeza de que, em meados do século passado, a salicultura terá tido a maior importância para a economia de Alcochete.

Manuel Nicolau de 87 anos, salineiro desde os 13, é o único trabalhador que faz parte dos quadros das Salinas do Brito, pertença da Fundação João Gonçalves Júnior (FJGJ) – as únicas que se mantêm em todo o concelho. Nicolau começou por ser criado, “a carregar lamas e a tratar das limpezas”. Transportava também água, acalmando a sede aos trabalhadores que, sob o sol escaldante do Verão, corriam para carregar mais uma canastra de sal. Miúdo ladino, aproveitava para ver como faziam os outros, ia aprendendo, mostrando capacidades. Conta que com 17 anos “já ganhava o ordenado de um homem”, correndo ao lado destes, descalço, tentando transportar rapidamente as quinze canastras que haviam de perfazer o moio de sal. Cedo chegou a mestre de máquinas da marinha. Era ele quem abastecia e fazia a manutenção dos motores que bombeavam a água entre o viveiro e a talharia. Além disso, controlava as utilizações desnecessárias das máquinas, consumidoras de combustível, quando a altura da água era suficiente para correr entre talhos: “enquanto a água entrasse pelo seu pé, não havia necessidade de um motor”.
“Era uma vida dura”, afirma Manuel Nicolau, “a vida de salineiro sempre foi muito difícil”. A distância entre a vila e as marinhas era percorrida a pé, pela madrugada. Ainda o dia não tinha bem nascido e já os homens rapavam o sal, que ao sol da tarde, reflectido pelo cristal branco, ninguém suporta. Os momentos de descanso, esses, eram passados a escavar os desenhos feitos em pedaços de madeira, dos quais haviam de nascer as formas para fazer os pãezinhos de sal. “Ganhava-se muito mal, nessa altura”, recorda o salineiro. “Além do mais, era um trabalho sazonal”. Por isso mesmo, quando três complexos industriais se instalaram em Alcochete, como a maior parte dos seus conterrâneos, Nicolau não perdeu tempo para procurar melhor soldo que cobrisse o ano inteiro.
Data dessa altura o declínio da exploração do sal. A decadência da indústria conserveira e o mineral estrangeiro, colocado no mercado a preços muito mais baixos, competindo com o exportado por Portugal, ditaram o fim de muitas das salinas nacionais. Alcochete, que fora considerado, no século XIX, o centro salineiro mais importante do país, não foi excepção. As marinhas, outrora sinónimo de riqueza, passaram a significar prejuízo, vindo progressivamente
a ser abandonadas. Criada por vontade de João Gonçalves Júnior, a Fundação com o seu nome teve desde sempre a finalidade de apoiar a população mais desfavorecida de Alcochete. Como forma de providenciar fundos para manutenção da FJGJ, as Salinas do Brito foram anexadas ao legado. Quando ocorre o declínio da venda do sal, como todas as outras, a marinha começa a apresentar prejuízos. Consciente da impossibilidade de manter a situação, mas também do facto da extracção do sal ser uma actividade intimamente ligada à história social e económica do concelho, a administração da FJGJ procura um parceiro que viabilize a manutenção das marinhas sem que estas se tornem um peso para a Fundação. É então assinado um protocolo com a Câmara Municipal de Alcochete, através do qual esta assume as despesas das salinas, sendo criado o Museu do Sal. Manuel Nicolau que, apesar da estabilidade oferecida pelo emprego na indústria, não apreciara o escasso movimento do seu cargo, havia voltado às salinas. Por essa altura já era ele o 25 marnoteiro que orientava e dirigia a marinha. E mantém-se, diariamente,
controlando os níveis das águas e a labuta dos trabalhadores.
Ainda de madrugada, os seus homens vão chegando. O trajecto, outrora palmilhado, é agora feito de automóvel, motorizada ou bicicleta. Porém, os horários não mudaram, que do sol não há protecção possível. Mal o dia ameaça despontar, a curta fila de oito homens encaminha-se para a talharia. Semi-mecanizada, a safra mostra-se todavia muito menos rentável do que nos tempos em que era totalmente feita à força de braços: “não há pessoal”, diz Nicolau. Não estranhamos. Perante o horário e o esforço físico exigido a estes homens, e apesar dos descontos inteiramente
suportados pela FJGJ, um ordenado que não atinge os e 400,00 € mensais não parece muito apelativo, sobretudo se pensarmos que as ofertas da capital se situam à distância de um olhar. Os mais novos só para ali vão quando, de todo, não encontram outras alternativas. São essencialmente os mais velhos, procurando um complemento às reformas, que se mantêm mais assíduos no trabalho das salinas. Além do mais, continuam a não existir contratos, permanecendo a inconstância sazonal do ofício. As máquinas facilitam hoje a vida destes homens, que já não correm entre pranchas na procura de perfazer o moio de sal que havia de lhes render mais uns escudos no final da semana.
Efectivamente, é já a fresadora que prepara o sal para a rapadura, é o guincho que substitui o trabalhador na arte de puxar o sal para a borda com o intuito de secar e deixar escorrer o magnésio, e é a passadeira quem transporta o mineral para a serra. Porém, os salineiros continuam a possuir a tez curtida pela mistura do sol com a salinidade das águas em que se movimentam dentro dos talhos quando rapam o sal que emerge, rude e cortante. Continua a ser necessário verificar os níveis de água e de salinidade de cada talho, moirar e supervisionar quando há peças aptas para serem rapadas. Desgastados pelo tempo e pela companhia corrosiva do mineral, por vezes os motores recusam-se a trabalhar. Nessas alturas tudo o mais pára porque é necessária a totalidade dos braços para ajudar a carregar o motor de substituição. Quando a passadeira da máquina de transporte se parte, a serra de sal cessa de crescer e há que esperar pelo técnico da câmara que assegura o funcionamento da maquinaria. Contudo, a urgência de outros tempos, quando todo o cristal recolhido tinha escoamento garantido no mercado, já não existe. É quase seguro que as cerca de 900 toneladas de sal que compõem a serra irão ficar em espera até encontrarem um comprador interessado. Longe vai o tempo em que as próprias fábricas de salga e secagem de peixe mandavam pessoal para ensacar e transportar o mineral.

Manuel Nicolau, apesar da idade, mantém-se no ofício que lhe ocupou a maior parte da sua existência. Este ano, uma vez mais, antes que a chuva chegue e abra buracos na pilha de sal, ele assistirá à sua cobertura, com palha obtida nos pauis ribatejanos. Após a colocação das habituais 10 a 15 camadas de ponjas e respectivas cintas de lama, será ele quem subirá à serra para colocação do combro, rematado a lama, que “não deixará que o vento pegue na palha”.
Foi também ele o herdeiro das formas do último marnoteiro, com as quais, utilizando o sal de embate, vai fazendo os tradicionais pãezinhos de sal. E continua a ser ele quem, pelas 6:00h da manhã, lança chave ao cadeado que nos abre os portões deste admirável mundo velho: o Museu do Sal, ali mesmo às portas de Alcochete.


Glossário do salCanastras / cestas onde era transportado o sal, com capacidade para cerca de 56litros;
Cintas / camada de lama colocada à volta das ponjas e no combro, com a finalidade de segurar a palha que cobre a serra;
Combro / camada de palha colocada no topo da serra rematando as várias ponjas que protegem o sal. O apuro na elaboração do combro vai tornar a serra mais ou menos duradoura;
Marinha / nome também dado à salina;
Marnoteiro / trabalhador responsável pelo funcionamento de toda a salina;
Moio / cerca de 840 litros de sal, 15 canastras a 56 litros cada;
Moirar / fase em que a água fica a evaporar, ganhando por isso salinidade;
Pãezinhos de sal / elaborados a partir do sal de embate que é colocado dentro de formas de madeira, com desenhos talhados em alto-relevo. São tradicionais em
Alcochete;
Ponja / chama-se a cada camada de palha disposta em altura para cobrir a serra;
Rapar / puxar e juntar o sal em pequenos montes para escorrer e limpar do magnésio antes de ser colocado na serra;
Sal de embate / cristaliza nas águas remexidas pelo vento (móveis), ficando um sal fino e gomoso que, precisamente por estas características, se mostra o melhor para manter a estrutura dos pãezinhos de sal;
Serra de sal / é formada pelo sal, depois de escorrido, que aí fica a secar até ao fim da safra sendo posteriormente protegido por uma cobertura de palha;
Talharia / conjunto dos talhos que formam a salina
Talho / rectângulo de terreno escavado onde o sal cristaliza;
Viveiro / encontra-se na parte mais elevada da marinha de forma a poder encher-se na preia-mar e despejar na baixa-mar, sendo aí controlada a quantidade de água que se mantém na marinha.





28 JUNHO . JULHO . 2006 . REVISTA VEGA
Texto e fotografias Anabela Oliveira